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SIM
Pela igualdade
MICHEL TEMER
O regime democrático baseia-se no
princípio da igualdade de todos perante a lei. Não há princípio democrático onde há desigualdade. A realidade do mundo moderno, por seu lado,
torna impossível a participação direta
de todo o povo nas decisões de governo, como ocorria na Grécia, berço da
primeira experiência democrática.
Criou-se então o sistema representativo para viabilizar a aplicação da
democracia ao sistema de governo das
nações. Não é sem razão que as Constituições dos Estados de Direito repetem sistematicamente que todo o poder emana do povo e em seu nome é
exercido.
Aceitos esses princípios, cabe buscar
os melhores caminhos para permitir
que todas as correntes de opinião possam fazer-se representar nos vários tipos de governo. O processo eleitoral,
por meio do qual o povo escolhe seus
representantes, e o financiamento das
campanhas são fatores importantes
para que se garanta ampla democracia com oportunidade igual para todas as classes sociais e seus representantes ou para que se estabeleçam filtros que privilegiem determinados
grupamentos e seus candidatos.
Não há sistemas imunes a irregularidades, mas somos levados a acreditar
que o financiamento público das campanhas é o mais democrático, o mais
transparente e o mais sujeito a controles. Inspira-se na idéia central de igualar as chances de todos os candidatos.
Portanto trata-se de um mecanismo
fundamental para a consolidação do
Estado democrático.
É a idéia de que todos vão poder,
igualmente, disputar as eleições. Temos visto, na história recente do país,
casos de compra de voto, utilização irregular de sobras de campanha, favorecimento de candidatos em detrimento de outros. O financiamento
público vem, se não eliminar por
completo a cooptação de votos pelo
poder monetário, pelo menos contribuir para um sistema mais igualitário.
A legislação já caminha nessa direção quando estabelece limites para
gastos eleitorais das candidaturas nas
várias áreas de representação.
O financiamento privado, como dito, facilita a violação do princípio da
igualdade de oportunidade, alicerce
do Estado de Direito. Anoto que o financiamento das campanhas eleitorais é permitido às grandes corporações, mas é mais restrito à participação de pessoas físicas, sindicatos e associações classistas dos trabalhadores,
sendo que essas últimas não podem
patrocinar campanhas.
Fica claro, portanto, que a legislação
é mais permissiva com o capital e seus
representantes, no sentido de eleger
seus candidatos, e menos aberta ao
trabalho. As tentativas de limitação
dos gastos privados têm sido de eficácia relativa. A contabilidade apresentada à Justiça Eleitoral nem sempre
corresponde aos gastos efetivos.
Pode-se lembrar que o financiamento público da campanha não irá resolver todos os males nem impedir as
fraudes. Mas é certo que sua simples
implantação irá aumentar a fiscalização. Setores sociais e mais acentuadamente os partidários, além dos próprios candidatos que contendem entre si, fiscalizar-se-ão mais adequadamente. O excesso de gastos revelará o
abuso do poder econômico, que, se
denunciado, poderá ser apurado pelos canais judiciários competentes.
Há experiências diversas de financiamento público de campanha em
países mais desenvolvidos. Nos EUA
há a combinação dos financiamentos
públicos e privados para a eleição presidencial. Candidatos que tenham
conseguido pelo menos 25% dos votos na eleição primária podem solicitar financiamento público.
Na Alemanha, na França e no Japão,
entre outros países, há participação de
recursos públicos no financiamento
de campanhas. No caso da França, há
ainda um reembolso público das despesas eleitorais. Nas eleições presidenciais, os candidatos que obtiverem
menos de 5% dos votos são reembolsados em até US$ 1,2 milhão; e os que
tiverem mais do que esse percentual
recebem de volta até US$ 6 milhões.
Os dois candidatos franceses à Presidência que chegarem ao segundo turno poderão ter reembolso de até US$
8 milhões. Nas eleições parlamentares, os candidatos têm desembolsos
de acordo com sua performance.
A Suécia, onde o tema começou a ser
discutido nos anos 30 e foi aplicado a
partir de 1966, adota um sistema que
inspira diversos países. Lá os recursos
são repassados aos partidos. Todavia
a legenda que não atinge um percentual mínimo de votos tem que pagar
até pela impressão e preparação de
suas cédulas eleitorais.
A aplicação prática do financiamento público das campanhas, que a meu
juízo representará avanço democrático, vai exigir amplo debate, até porque
ele é apenas parte do conjunto das reformas políticas que a nação deverá
enfrentar brevemente. Caso nossa opção seja por distribuir esses recursos
por intermédio dos partidos, há que
providenciar também maior fortalecimento das estruturas partidárias.
Até porque nossa legislação reforça
o comportamento individualista dos
políticos, impedindo a consolidação
partidária. Um sistema de representação proporcional com maior controle
partidário sobre as listas reduzirá sensivelmente a compra de votos. Portanto o financiamento público das campanhas deve vir acompanhado de medidas que vitalizem os partidos.
Michel Temer, 59, advogado, é deputado federal
pelo PMDB-SP e presidente da Câmara dos Deputados. Foi secretário da Segurança Pública (governos
Montoro e Fleury) e de Governo (gestão Fleury) do
Estado de São Paulo.
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