São Paulo, sábado, 29 de abril de 2000


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SIM
Pela igualdade

MICHEL TEMER

O regime democrático baseia-se no princípio da igualdade de todos perante a lei. Não há princípio democrático onde há desigualdade. A realidade do mundo moderno, por seu lado, torna impossível a participação direta de todo o povo nas decisões de governo, como ocorria na Grécia, berço da primeira experiência democrática.
Criou-se então o sistema representativo para viabilizar a aplicação da democracia ao sistema de governo das nações. Não é sem razão que as Constituições dos Estados de Direito repetem sistematicamente que todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido.
Aceitos esses princípios, cabe buscar os melhores caminhos para permitir que todas as correntes de opinião possam fazer-se representar nos vários tipos de governo. O processo eleitoral, por meio do qual o povo escolhe seus representantes, e o financiamento das campanhas são fatores importantes para que se garanta ampla democracia com oportunidade igual para todas as classes sociais e seus representantes ou para que se estabeleçam filtros que privilegiem determinados grupamentos e seus candidatos.
Não há sistemas imunes a irregularidades, mas somos levados a acreditar que o financiamento público das campanhas é o mais democrático, o mais transparente e o mais sujeito a controles. Inspira-se na idéia central de igualar as chances de todos os candidatos. Portanto trata-se de um mecanismo fundamental para a consolidação do Estado democrático.
É a idéia de que todos vão poder, igualmente, disputar as eleições. Temos visto, na história recente do país, casos de compra de voto, utilização irregular de sobras de campanha, favorecimento de candidatos em detrimento de outros. O financiamento público vem, se não eliminar por completo a cooptação de votos pelo poder monetário, pelo menos contribuir para um sistema mais igualitário.
A legislação já caminha nessa direção quando estabelece limites para gastos eleitorais das candidaturas nas várias áreas de representação.
O financiamento privado, como dito, facilita a violação do princípio da igualdade de oportunidade, alicerce do Estado de Direito. Anoto que o financiamento das campanhas eleitorais é permitido às grandes corporações, mas é mais restrito à participação de pessoas físicas, sindicatos e associações classistas dos trabalhadores, sendo que essas últimas não podem patrocinar campanhas.
Fica claro, portanto, que a legislação é mais permissiva com o capital e seus representantes, no sentido de eleger seus candidatos, e menos aberta ao trabalho. As tentativas de limitação dos gastos privados têm sido de eficácia relativa. A contabilidade apresentada à Justiça Eleitoral nem sempre corresponde aos gastos efetivos.
Pode-se lembrar que o financiamento público da campanha não irá resolver todos os males nem impedir as fraudes. Mas é certo que sua simples implantação irá aumentar a fiscalização. Setores sociais e mais acentuadamente os partidários, além dos próprios candidatos que contendem entre si, fiscalizar-se-ão mais adequadamente. O excesso de gastos revelará o abuso do poder econômico, que, se denunciado, poderá ser apurado pelos canais judiciários competentes.
Há experiências diversas de financiamento público de campanha em países mais desenvolvidos. Nos EUA há a combinação dos financiamentos públicos e privados para a eleição presidencial. Candidatos que tenham conseguido pelo menos 25% dos votos na eleição primária podem solicitar financiamento público.
Na Alemanha, na França e no Japão, entre outros países, há participação de recursos públicos no financiamento de campanhas. No caso da França, há ainda um reembolso público das despesas eleitorais. Nas eleições presidenciais, os candidatos que obtiverem menos de 5% dos votos são reembolsados em até US$ 1,2 milhão; e os que tiverem mais do que esse percentual recebem de volta até US$ 6 milhões.
Os dois candidatos franceses à Presidência que chegarem ao segundo turno poderão ter reembolso de até US$ 8 milhões. Nas eleições parlamentares, os candidatos têm desembolsos de acordo com sua performance.
A Suécia, onde o tema começou a ser discutido nos anos 30 e foi aplicado a partir de 1966, adota um sistema que inspira diversos países. Lá os recursos são repassados aos partidos. Todavia a legenda que não atinge um percentual mínimo de votos tem que pagar até pela impressão e preparação de suas cédulas eleitorais.
A aplicação prática do financiamento público das campanhas, que a meu juízo representará avanço democrático, vai exigir amplo debate, até porque ele é apenas parte do conjunto das reformas políticas que a nação deverá enfrentar brevemente. Caso nossa opção seja por distribuir esses recursos por intermédio dos partidos, há que providenciar também maior fortalecimento das estruturas partidárias.
Até porque nossa legislação reforça o comportamento individualista dos políticos, impedindo a consolidação partidária. Um sistema de representação proporcional com maior controle partidário sobre as listas reduzirá sensivelmente a compra de votos. Portanto o financiamento público das campanhas deve vir acompanhado de medidas que vitalizem os partidos.


Michel Temer, 59, advogado, é deputado federal pelo PMDB-SP e presidente da Câmara dos Deputados. Foi secretário da Segurança Pública (governos Montoro e Fleury) e de Governo (gestão Fleury) do Estado de São Paulo.




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