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TENDÊNCIAS/DEBATES
O petróleo é nosso
JOSÉ VIEGAS
Podemos seguir o bom exemplo da Noruega e ir pensando desde já na possibilidade de criar um Fundo do Petróleo brasileiro
SUPONHAMOS que as reservas
contidas no mais recente achado
de petróleo no "ultra deep" brasileiro sejam mesmo de 33 bilhões de
barris. Suponhamos que, como o
achado não é o primeiro, tampouco
será o último. Suponhamos que passemos a exportar, dentro de uns cinco
a sete anos, 1 milhão de barris por dia
(deve ser mais). Ao preço de hoje, serão 40 bilhões de dólares por ano. Ou
seja: 2% do PIB. Que vamos fazer com
esse dinheiro?
Precisamos combinar. E podemos
começar com uma premissa que deve
ser consenso: o petróleo é nosso.
Quem somos nós? A nação brasileira.
É só olhar para a lista dos grandes
exportadores de petróleo para ver
que só um deles, a Noruega, país muito diferente do nosso, é verdadeiramente rico e feliz. Os demais grandes
exportadores geram uma riqueza financeira que não se irradia nem pela
economia nem pela população e que
alimenta gastos supérfluos, burocracias agigantadas e muita corrupção.
Corram a lista para ver onde não é
assim. Onde a riqueza do petróleo gerou um surto de desenvolvimento
que efetivamente transformou o país
em uma potência rica e feliz?
Em síntese, temos que ter presente
o fato de que o dinheiro do petróleo
não necessariamente fará bem para a
saúde da economia do país e pode
desvirtuar o seu desenvolvimento,
gerando, também aqui, os males que
tem gerado em outras partes.
Os mecanismos perversos que afetam as exportações de petróleo são
simples e conhecidos. Como já somos
auto-suficientes em matéria de petróleo, o aumento da nossa produção
será utilizado basicamente para a exportação. O valor da exportação adicional contribuirá para aumentar a
cotação internacional do real, que ficará ainda mais sobrevalorizado. Em
conseqüência, haverá a diminuição
do preço das importações, o que colocará a nossa indústria sob pressão.
Isso é o que acontece normalmente
e, se nós não tomarmos as medidas
necessárias para evitá-lo, é o que também acontecerá conosco.
Singularizei a Noruega porque esse
país adotou um esquema alternativo
para não deixar que o dinheiro produzido pelas exportações de petróleo se
esvaia simplesmente ou, pior, acabe
prejudicando o desenvolvimento da
nação. O governo norueguês estabeleceu um fundo nacional por meio do
qual reserva a renda gerada pelo petróleo para o desenvolvimento a longo prazo.
Em vez de fazer disparar o consumo e as importações a curto prazo (o
que gera inflação, gastos supérfluos e
desindustrialização), os noruegueses
consideraram a renda do petróleo
uma riqueza coletiva, pertencente à
nação como um todo, e criaram mecanismos capazes de proteger o país das
oscilações dos mercados internacionais e de lhe propiciar um desenvolvimento econômico e social sadio e
sustentável.
A receita da exportação do petróleo
foi canalizada para um fundo que se
capitalizou rapidamente e já dispõe
de mais de 200 bilhões de euros (mais
de 300 bilhões de dólares ou mais de
500 bilhões de reais).
A gestão desse fundo se baseia em
duas premissas principais: a) assegurar que uma parcela razoável da riqueza produzida pelo petróleo seja
utilizada em proveito das gerações futuras; e b) não permitir que os recursos sejam utilizados de maneiras incompatíveis com a ética, com os interesses de longo prazo da nação e com
a proteção do meio ambiente.
Os investimentos do fundo não são
especulativos. Destinam-se a apoiar
atividades produtivas e a elevar a qualidade de vida da população.
Essa é a diferença fundamental entre a Noruega e os outros grandes exportadores de petróleo, em que o
grosso do dinheiro vai para os bolsos
de magnatas, perde-se em operações
de curto prazo, é gasto em corrupção
e alimenta privilégios, sem gerar um
verdadeiro desenvolvimento econômico e social.
Podemos seguir o bom exemplo e ir
pensando desde já na possibilidade de
criar um fundo brasileiro, que, como
os nossos dois países são muito diferentes, não tem que ser inteiramente
igual ao norueguês.
Se decidirmos criar um Fundo do
Petróleo, é fundamental que ele seja
bem arquitetado, com regras claras e
transparentes, com uma base ética
sólida e com uma virtual proibição de
distribuição de proventos a curto prazo. O Poder Executivo, o Poder Legislativo e a sociedade civil deverão dialogar muito a esse respeito.
O outro aspecto crucial, naturalmente, será a gestão do fundo. Felizmente, o Brasil já tem hoje o terceiro
maior banco de desenvolvimento do
mundo, o BNDES, cujas práticas de
gestão são respeitadas por todos.
JOSÉ VIEGAS FILHO, 65, é embaixador do Brasil na Espanha. Foi ministro da Defesa (2004-2005).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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