São Paulo, quarta-feira, 29 de abril de 2009

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ANTONIO DELFIM NETTO

Keynes e Marx

MARX E KEYNES têm pelo menos três curiosos paralelismos. Primeiro, um bando de fanáticos dogmáticos que pretendem ter o monopólio do entendimento de suas teorias transformaram-se em sacerdotes de suas igrejas. Dizem (e, quando têm poder, fazem!) as maiores barbaridades em nome dos seus deuses, comprometendo as suas memórias.
Segundo, a relação dos dois com economistas que os precederam envolve um considerável cinismo e a sutil apropriação de ideias que reconhecem muito mal. Os dois foram, obviamente, fatos novos. O problema é que se pretendem sem raízes.
A relação de Keynes com Marx é das mais ambíguas. As referências a Marx na "Teoria Geral" (1936) ou são inócuas ou depreciativas. Ainda em 1934, ele diz a Bernard Shaw que "meus sentimentos em relação ao "Das Kapital" é o mesmo que tenho em relação ao Alcorão...", reafirmando o que já havia dito em 1925: que não podia aceitar uma doutrina fundada numa "bíblia acima e além de qualquer crítica, um livro-texto obsoleto de economia que eu sei que é cientificamente errado e sem interesse de aplicação no mundo moderno".
O enigma (o "conundrum", como diria um velho ex-quase "maestro" do Fed que ajudou a meter o mundo na confusão em que se encontra) é que em 1933 Keynes estava elaborando a sua revolucionária Teoria Monetária da Produção. Nela, a moeda produz efeitos reais sobre a produção e o emprego, ao contrário do que supõe, até hoje, a maioria dos economistas, para os quais a moeda é neutra no longo prazo.
De acordo com notas publicadas por alguns alunos, ele se referia nas aulas ao famoso problema da "realização", isto é, a possibilidade de vender a produção para "realizar" o seu valor em moeda, e dizia que "em Marx há um núcleo de verdade"!
Chegou a utilizar a conhecida fórmula de Marx em que este havia mudado a ênfase de uma economia de trocas: trocar bens ("commodities" em inglês) por moeda, para comprar bens (C-M-C), para uma economia da produção, onde a moeda compra bens para a produção e esta é vendida por moeda (M-C-M). Esta mudança na forma de ver o mundo é uma das bases da construção keynesiana.
O terceiro ponto é que a conclusão da obra de ambos não deixa de ser paradoxal e frustrante. Marx comprometeu sua vida estudando o capitalismo e, por isso, não teve tempo de nos ensinar como construir o socialismo; Keynes construiu uma teoria para salvar o capitalismo e terminou com uma receita ("a coordenação estatal dos investimentos para manter o pleno emprego") que não conseguiu explicar como realizar sem levar a alguma forma de socialismo...

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ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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