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ANTONIO DELFIM NETTO
Keynes e Marx
MARX E KEYNES têm pelo
menos três curiosos paralelismos.
Primeiro, um bando de fanáticos
dogmáticos que pretendem ter o
monopólio do entendimento de
suas teorias transformaram-se em
sacerdotes de suas igrejas. Dizem
(e, quando têm poder, fazem!) as
maiores barbaridades em nome
dos seus deuses, comprometendo
as suas memórias.
Segundo, a relação dos dois com
economistas que os precederam
envolve um considerável cinismo e
a sutil apropriação de ideias que reconhecem muito mal. Os dois foram, obviamente, fatos novos. O
problema é que se pretendem sem
raízes.
A relação de Keynes com Marx é
das mais ambíguas. As referências
a Marx na "Teoria Geral" (1936) ou
são inócuas ou depreciativas. Ainda em 1934, ele diz a Bernard Shaw
que "meus sentimentos em relação
ao "Das Kapital" é o mesmo que tenho em relação ao Alcorão...", reafirmando o que já havia dito em
1925: que não podia aceitar uma
doutrina fundada numa "bíblia acima e além de qualquer crítica, um
livro-texto obsoleto de economia
que eu sei que é cientificamente errado e sem interesse de aplicação
no mundo moderno".
O enigma (o "conundrum", como diria um velho ex-quase "maestro" do Fed que ajudou a meter o
mundo na confusão em que se encontra) é que em 1933 Keynes estava elaborando a sua revolucionária
Teoria Monetária da Produção.
Nela, a moeda produz efeitos reais
sobre a produção e o emprego, ao
contrário do que supõe, até hoje, a
maioria dos economistas, para os
quais a moeda é neutra no longo
prazo.
De acordo com notas publicadas
por alguns alunos, ele se referia nas
aulas ao famoso problema da "realização", isto é, a possibilidade de
vender a produção para "realizar"
o seu valor em moeda, e dizia que
"em Marx há um núcleo de
verdade"!
Chegou a utilizar a conhecida
fórmula de Marx em que este havia
mudado a ênfase de uma economia
de trocas: trocar bens ("commodities" em inglês) por moeda, para
comprar bens (C-M-C), para uma
economia da produção, onde a
moeda compra bens para a produção e esta é vendida por moeda (M-C-M). Esta mudança na forma de
ver o mundo é uma das bases da
construção keynesiana.
O terceiro ponto é que a conclusão da obra de ambos não deixa de
ser paradoxal e frustrante.
Marx comprometeu sua vida estudando o capitalismo e, por isso,
não teve tempo de nos ensinar como construir o socialismo; Keynes
construiu uma teoria para salvar o
capitalismo e terminou com uma
receita ("a coordenação estatal dos
investimentos para manter o pleno
emprego") que não conseguiu explicar como realizar sem levar a alguma forma de socialismo...
contatodelfimnetto@uol.com.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.
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