São Paulo, sexta-feira, 29 de maio de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ SARNEY

Tragédia inacabada

O RELATÓRIO do Banco Mundial sobre violência na América Latina é de deixar frio nos ossos. E, pior ainda, de nos esquentar a consciência por termos perdido no Brasil a oportunidade de abolir o comércio de armas.
São 140 mil homicídios por ano, e o Brasil contribui com 40 mil. É mais do que uma guerra, porque é uma conivência da sociedade inteira, em que os que mais desaparecem são os jovens. São eles -entre 17 e 24 anos- os que mais matam e morrem.
Mas a revelação maior é a de que o nosso continente é dominado pelo crime organizado, por narcotraficantes e pela guerrilha política. Esta, numa etapa que já julgávamos superada, ressurge agora no Peru, com o Sendero Luminoso ("caminho iluminado"), de nome tão belo e de objetivos tão maus.
Desaparecido no Peru, onde causou 70.000 mortes, como um movimento bem característico do passado ideológico marxista, agora é um braço do narcotráfico de obscuras tintas políticas.
Como fóssil das guerrilhas, ainda as Farc sobrevivem, agonizantes, mas sempre tentando semear adeptos, fazendo com que a Colômbia ainda tenha a maior taxa de mortalidade por armas.
Tivemos os tupamaros no Uruguai, os montoneros na Argentina, o MIR no Chile, a Frente Sandinista na Nicarágua, Farabundo Martí (FMLN) em El Salvador, Junglecomando no Suriname, os bonis na Guiana Francesa, enfim, um continente armado.
A democracia teve a força de converter esses grupos aos valores da liberdade, da não violência, da força do voto. Muitos vieram a ser governo constituído e, como exemplos, o presidente recém-eleito de El Salvador, Mauricio Funes, da FMLN, e Ortega na Nicarágua, embora este não se tenha convertido.
Ainda agora, nas notícias da prisão de Víktor Bout, russo conhecido como o "mercador da morte", foi apontado o porto nicaraguense de Corinto, no Pacífico, como a maior entrada de armas da área, onde Exército e polícia fazem vista grossa. E, mais doloroso ainda, armas altamente sofisticadas, como fuzis Kalashnikov iguais aos 100 mil comprados pela Venezuela ou os lança-foguetes RPG-7, que substituirão as velhas armas que transferem ao crime organizado nas cidades onde assaltam, matam e sustentam o narcotráfico.
A nossa tríplice fronteira com Argentina e Paraguai também está nesta linha e é acusada de ser uma das maiores responsáveis pela entrada de armas.
A violência, suas causas e seus meios ainda necessitam de uma tomada de decisão política forte. O convívio com a morte criminosa nos torna indiferentes e, assim, coniventes. Precisamos tirar as pedras em que se transformaram os nossos corações.

jose-sarney@uol.com.br


JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: São Luís - Fernando Gabeira: As águas do futuro
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.