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JOSÉ SARNEY
Tragédia inacabada
O RELATÓRIO do Banco
Mundial sobre violência na
América Latina é de deixar
frio nos ossos. E, pior ainda, de nos
esquentar a consciência por termos perdido no Brasil a oportunidade de abolir o comércio de
armas.
São 140 mil homicídios por ano,
e o Brasil contribui com 40 mil. É
mais do que uma guerra, porque é
uma conivência da sociedade inteira, em que os que mais desaparecem são os jovens. São eles -entre
17 e 24 anos- os que mais matam e
morrem.
Mas a revelação maior é a de que
o nosso continente é dominado pelo crime organizado, por narcotraficantes e pela guerrilha política.
Esta, numa etapa que já julgávamos superada, ressurge agora no
Peru, com o Sendero Luminoso
("caminho iluminado"), de nome
tão belo e de objetivos tão maus.
Desaparecido no Peru, onde causou 70.000 mortes, como um movimento bem característico do passado ideológico marxista, agora é
um braço do narcotráfico de obscuras tintas políticas.
Como fóssil das guerrilhas, ainda
as Farc sobrevivem, agonizantes,
mas sempre tentando semear
adeptos, fazendo com que a Colômbia ainda tenha a maior taxa de
mortalidade por armas.
Tivemos os tupamaros no Uruguai, os montoneros na Argentina,
o MIR no Chile, a Frente Sandinista na Nicarágua, Farabundo Martí
(FMLN) em El Salvador, Junglecomando no Suriname, os bonis na
Guiana Francesa, enfim, um continente armado.
A democracia teve a força de
converter esses grupos aos valores
da liberdade, da não violência, da
força do voto. Muitos vieram a ser
governo constituído e, como exemplos, o presidente recém-eleito de
El Salvador, Mauricio Funes, da
FMLN, e Ortega na Nicarágua, embora este não se tenha convertido.
Ainda agora, nas notícias da prisão de Víktor Bout, russo conhecido como o "mercador da morte",
foi apontado o porto nicaraguense
de Corinto, no Pacífico, como a
maior entrada de armas da área,
onde Exército e polícia fazem vista
grossa. E, mais doloroso ainda, armas altamente sofisticadas, como
fuzis Kalashnikov iguais aos 100
mil comprados pela Venezuela ou
os lança-foguetes RPG-7, que substituirão as velhas armas que transferem ao crime organizado nas cidades onde assaltam, matam e sustentam o narcotráfico.
A nossa tríplice fronteira com
Argentina e Paraguai também está
nesta linha e é acusada de ser uma
das maiores responsáveis pela entrada de armas.
A violência, suas causas e seus
meios ainda necessitam de uma tomada de decisão política forte. O
convívio com a morte criminosa
nos torna indiferentes e, assim, coniventes. Precisamos tirar as pedras em que se transformaram os
nossos corações.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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