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TENDÊNCIAS/DEBATES
A numeração de obras autorais deve ser implementada?
NÃO
De boas intenções o Brasil está cheio
EDUARDO MUSZKAT
Está claro o nobre objetivo dessa
nova lei, aprovada há poucos dias
pelo Congresso e que aguarda a sanção
presidencial: defender o artista brasileiro de possíveis atos lesivos por parte de
suas gravadoras ou editoras, que, por
falta de idoneidade, venderiam muito
mais cópias dos produtos contendo sua
obra do que declaram aos mesmos, pirateando a obra de seus artistas.
Segundo a justificativa da deputada
Tânia Soares, autora do projeto, essa
prática lesiva é a regra no mercado brasileiro, o que justificaria plenamente a
adoção da nova lei.
Surge logo a primeira dúvida: Será
que a maioria das gravadoras no Brasil
tem mesmo como regra lesar seus artistas com essa prática deplorável, de tal
maneira que se justifique criar uma lei
para o tema? Estou certo de que não. Em
minha empresa, um artista pode verificar a qualquer momento, diretamente
no sistema, o volume de vendas de seus
produtos. Se houver dúvida, as próprias
notas fiscais de fabricação são disponibilizadas para análise.
Sei também que, na ABMI (Associação Brasileira da Música Independente), o sócio que não pagar corretamente
seus artistas ou parceiros é imediatamente cortado do quadro associativo,
perdendo credibilidade perante o mercado e seus pares.
É importante observar que a relação
entre artista e gravadora é baseada na
confiança e o artista tem sempre a liberdade de sair de uma gravadora, especialmente se esta não prestar contas corretamente. Por outro lado, é só com um
trabalho coordenado e construtivo que
artista e gravadora conseguem o melhor
resultado para seus produtos.
Na verdade, essa lei parece dirigida a
preservar os artistas que têm seu trabalho distribuído por algumas gravadoras
desonestas, em que os mesmos não
confiam, mas das quais não querem se
desligar. Se assim é, não seria mais simples que se comprovasse a fraude por
meio do trabalho de advogados e contadores? Todo contrato que eu conheço
permite essa verificação, a qualquer
momento, por parte do artista.
Assim, o que pode parecer, à primeira
vista, uma solução na verdade acaba
prejudicando ainda mais a situação.
Não há dúvida de que as empresas desonestas encontrarão formas de burlar a
lei, mesmo porque é impossível para o
artista controlar a numeração ou assinar todas as cópias de um produto.
Dá para imaginar um único CD com
até 20 assinaturas de todos os compositores cujas músicas estão naquele produto? Mais importante: se a lei for implementada, como sancionada, podemos estar certos de que haverá aumentos de custos significativos, especialmente para as editoras e gravadoras independentes, que trabalham com pequenas tiragens, o que resultará na queda das vendas oficiais e no aumento da
pirataria, entre outras coisas.
Num mercado em que é urgente baixar o preço dos CDs, para coibir a pirataria, como justificar o aumento de custos decorrente desse pretenso controle?
O Brasil é um país de muitas leis. Nossos legisladores gastam muito tempo e
dinheiro criando e alterando leis a cada
semana. No entanto é difícil encontrar
um país onde o desrespeito às mesmas
leis seja tão gritante e impune.
Por que as milhares de bancas de camelôs continuam vendendo CDs piratas em cada esquina? Será que não há
leis suficientes para acabar com isso?
É certo que seria mais eficaz aumentar
exponencialmente a punição para casos
comprovados de fraude contra a propriedade intelectual e aplicar a esses crimes as leis já existentes, com algumas
punições exemplares. Ninguém mais
correria o risco de se envolver nesse tipo
de contravenção.
Sugiro que políticos, artistas, gravadoras, lojas etc. mobilizem-se para discutir
a fundo problemas como a pirataria, o
download ilegal, a tributação excessiva,
a fiscalização corrupta, o estreitamento
dos canais de divulgação e venda, o "jabá" nos meios de comunicação e, principalmente, a inexistência de políticas
industrial e cultural que permitam à
música e à cultura brasileiras alcançar o
seu lugar merecido no panorama mundial. Já não há mais espaço para pirotecnia populista.
A deputada Tânia Soares finaliza as
justificativas para a lei afirmando que
"nos Estados Unidos da América, a numeração de CDs é aplicada e lá os autores recebem os seus direitos de forma lídima". Sugiro que alguém tente encontrar esse número em qualquer CD importado dos EUA.
Naquele país, a Constituição, escrita
em 1787, tem apenas quatro páginas. Lá
tempo é dinheiro e contravenção dá cadeia.
Eduardo Muszkat, 41, mestre em administração
de empresas, é presidente da gravadora MCD
World Music e membro do Conselho Diretor da
ABMI.
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