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CARLOS HEITOR CONY
Os caçadores de rolinha
RIO DE JANEIRO - Vejo, por cima dos telhados, a cruz. Aponta para o céu. Que que há lá em cima para
tanta coisa apontar assim? Ignoro o
que esteja acima da cruz. Sei o que
está abaixo: a igreja, o altar iluminado, as velas, os convidados, as flores,
o órgão. E eu. Ainda não estou lá,
mas é como se lá estivesse, inarredável, desde o início dos séculos,
eterno.
Na verdade, estou esperando
sempre, esperando pela noiva, pelo
resto, pela vida. Esse que está indo é
apenas um retardatário que vai assistir ao espetáculo, apenas isso.
Pois assistamos.
"Olha o carro do seu padrinho." A
mãe aponta o Buick preto parado
na esquina. "Sim, todos estão na
igreja. Só falta a gente. E Glorinha, é
claro." "Ela demorará muito?"
"Não. Combinamos chegar quase
juntos. Se tudo der certo, quando eu
e a senhora chegarmos ao altar, o
carro dela deverá estar encostando
na porta. Tudo simétrico e perfeito,
como um relógio."
"Não zombe de seu sogro, filho. O
fato de ele ter uma relojoaria na cidade não o desmerece. Você é doutor e pobre. Ele é ignorante e rico.
Cada qual faz o que pode." "Pois estou fazendo o que posso. Saltemos."
"E o pé?" "Até agora, tudo vai
bem. É uma grande coisa casar,
mãe. Olha como tem gente. Parece
um enterro."
Parado na porta, segurando uma
espada, épico em seu uniforme
branco, um oficial da Marinha. Custo a reconhecê-lo. O pai fizera a lista
de todos os vizinhos dos últimos 25
anos. Ali está, capitão de qualquer-coisa-do-mar, o Geraldinho dos
matagais, que caçava rolinhas comigo.
Era um rito. Pegávamos uma bacia e miolo de pão, ficávamos lado a
lado, nos matagais. Geraldinho tinha de puxar um barbante para a
bacia cair e prender as rolinhas.
Nunca acertava. Eu dizia: "Amanhã
tem mais".
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