São Paulo, quinta-feira, 29 de junho de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Todos têm direitos iguais na República

ADEL DAHER FILHO, ADILSON MARIANO, ALBERTO AGGIO, ALBERTO DE MELLO E SOUZA, ALMIR DA SILVA LIMA, AMANDIO GOMES e ANA TERESA VENANCIO

O PRINCÍPIO DA IGUALDADE política e jurídica dos cidadãos é um fundamento essencial da República e um dos alicerces sobre o qual repousa a Constituição brasileira. Esse princípio encontra-se ameaçado de extinção por diversos dispositivos dos projetos de Lei de Cotas (PL 73/1999) e do Estatuto da Igualdade Racial (PL 3.198/2000), que logo serão submetidos a uma decisão final no Congresso Nacional.


Almejamos um Brasil no qual ninguém seja discriminado, de forma positiva ou negativa, em razão de cor, sexo, vida íntima e religião


O PL de cotas torna compulsória a reserva de vagas para negros e indígenas nas instituições federais de ensino superior. O chamado Estatuto da Igualdade Racial implanta uma classificação racial oficial dos cidadãos brasileiros, estabelece cotas raciais no serviço público e cria privilégios nas relações comerciais com o poder público para empresas privadas que utilizem cotas raciais na contratação de funcionários.
Se os projetos forem aprovados, a nação brasileira passará a definir os direitos das pessoas com base na tonalidade da sua pele, pela "raça". A história já condenou dolorosamente essas tentativas.
Os defensores desses projetos argumentam que as cotas raciais constituem política compensatória voltada para amenizar as desigualdades sociais. O argumento é conhecido: temos um passado de escravidão que levou a população de origem africana a níveis de renda e condições de vida precárias. O preconceito e a discriminação contribuem para que essa situação pouco se altere.
Em decorrência disso, haveria a necessidade de políticas sociais que compensassem os que foram prejudicados no passado ou que herdaram situações desvantajosas. Essas políticas, ainda que reconhecidamente imperfeitas, se justificariam porque viriam a corrigir um mal maior. Essa análise não é realista, nem sustentável, e tememos as possíveis conseqüências das cotas raciais.
Transformam classificações estatísticas gerais (como as do IBGE) em identidades e direitos individuais contra o preceito da igualdade de todos perante a lei. A adoção de identidades raciais não deve ser imposta e regulada pelo Estado.
Políticas dirigidas a grupos "raciais" estanques em nome da justiça social não eliminam o racismo e podem até mesmo produzir o efeito contrário, dando respaldo legal ao conceito de raça, e possibilitando o acirramento do conflito e da intolerância. A verdade amplamente reconhecida é que o principal caminho para o combate à exclusão social é a construção de serviços públicos universais de qualidade nos setores de educação, saúde e Previdência, em especial a criação de empregos. Essas metas só poderão ser alcançadas pelo esforço comum de cidadãos de todos os tons de pele contra privilégios odiosos que limitam o alcance do princípio republicano da igualdade política e jurídica.
A invenção de raças oficiais tem tudo para semear esse perigoso tipo de racismo, como demonstram exemplos históricos e contemporâneos. E ainda bloquear o caminho para a resolução real dos problemas de desigualdades. Qual Brasil queremos? Almejamos um Brasil no qual ninguém seja discriminado, de forma positiva ou negativa, pela sua cor, seu sexo, sua vida íntima e sua religião; onde todos tenham acesso a todos os serviços públicos; que se valorize a diversidade como um processo vivaz e integrante do caminho de toda a humanidade, para um futuro onde a palavra felicidade não seja um sonho. Enfim, que todos sejam valorizados pelo que são e pelo que conseguem fazer.
Nosso sonho é o de Martin Luther King, que lutou para viver em uma nação onde as pessoas não seriam avaliadas pela cor de sua pele, mas pela força de seu caráter. Nós nos dirigimos ao Congresso Nacional, seus deputados e senadores, pedindo-lhes que recusem o PL 73/1999 (Lei das Cotas) e o PL 3.198/ 2000 (Estatuto da Igualdade Racial) em nome da República democrática.
ADEL DAHER FILHO é diretor do Sindicato dos Ferroviários de SP-Bauru, MS e MT, ADILSON MARIANO é vereador pelo PT (Joinville-SC), ALBERTO AGGIO é professor livre-docente de história da UNESP, ALBERTO DE MELLO E SOUZA é professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ, ALMIR DA SILVA LIMA é jornalista e integrante do Momacune (Movimento Macaense Culturas Negras, Macaé-RJ), AMANDIO GOMES é professor do Instituto de Psicologia da UFRJ e ANA TERESA VENANCIO é antropóloga e pesquisadora da Fiocruz. Esses são os primeiros signatários, por ordem alfabética, de carta pública que tem ainda as assinaturas de outros 107 intelectuais, artistas e ativistas de movimentos negros. Veja no site: http://www.geocities.com/cartapublica2006/


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