São Paulo, sexta-feira, 29 de junho de 2007

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Favelas ocupadas

Ação policial no Rio destoa da conivência com o crime que prevalecia; é preciso atenção para suspeitas de abuso

O ESTADO precisa impor-se diante da criminalidade organizada. Tal constatação, embora óbvia, foi deixada de lado ao longo de sucessivas administrações estaduais no Rio de Janeiro. Como resultado, quadrilhas de traficantes conseguiram não só acumular grande poder de fogo como deitar tentáculos em outros ramos da criminalidade. A gestão de Sérgio Cabral (PMDB) assumiu com a promessa de romper com essa tradição.
Após anos de descaso das autoridades, o que se materializou numa espécie de pacto de não-agressão entre policiais e criminosos, os funestos números da megaoperação de anteontem no complexo do Alemão se tornam menos surpreendentes. A ação, que envolveu 1.200 policiais civis e militares e 150 da Força Nacional de Segurança, deixou um saldo de 19 mortos e sete feridos. Quatro pessoas foram detidas.
A troca de tiros entre policiais e bandidos em algumas áreas das favelas chegou a durar sete horas. Segundo um balanço parcial, foram apreendidos 30 kg de cocaína, 115 kg de maconha, 60 bananas de dinamite, cinco fuzis, cinco pistolas, duas metralhadoras antiaéreas, capazes de derrubar helicópteros, e munição.
Desde que a polícia começou a operar no complexo do Alemão, em 2 de maio, já se contabilizam 44 mortes e mais de 70 feridos.
Não há dúvida de que o poder público tem o dever de desarmar as quadrilhas e impor a lei. Também se admite que é impossível fazê-lo sem empregar violência. Nos quatro primeiros meses de 2007, as chamadas mortes em confronto já subiram 36,5%, na comparação com 2006.
Para que a ação da polícia possa ser considerada legítima e tenha êxito, é necessário, contudo, observar algumas condições. Ela deve, antes de mais nada, atuar com a maior contenção possível. São preocupantes as notícias de que inocentes teriam sido mortos em meio a pessoas sabidamente ligadas ao tráfico. É preciso apurar essas suspeitas de abuso, bem como liberar todas as informações e laudos a respeito das pessoas mortas na operação.
Nas 21 favelas do complexo do Alemão vivem mais de 160 mil pessoas -a esmagadora maioria nada tem a ver com o narcotráfico. São, na verdade, as principais vítimas das "leis" de ódio impostas pelas máfias das drogas.
Também é fundamental que policiais não aproveitem situações de confronto para promover extermínios. Nesse quesito, o histórico da polícia fluminense infelizmente não é dos melhores.
No que concerne ao sucesso da empreitada, ele só ocorrerá se a operação não se esgotar em si. É preciso não apenas que a polícia permaneça nas favelas como também que seja secundada por outros serviços estatais permanentes -iluminação, regularização da posse de imóveis, acesso a Justiça, educação, saúde, lazer, capacitação profissional.
Sem isso, para cada traficante que é morto ou preso haverá três ou quatro candidatos se digladiando para ocupar a vaga.


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