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TENDÊNCIAS/DEBATES
Pelo fim do voto secreto
ALDO REBELO
O cidadão que vota tem o direito de saber se quem foi eleito por ele age de acordo com seu programa
e com o interesse público
COMO PRESIDENTE da Câmara
dos Deputados, articulei um
acordo com os líderes dos partidos para pôr em votação imediata a
emenda à Constituição que abole o
voto secreto no Congresso Nacional.
Há dois meses, em reunião com todos os líderes dos partidos da Câmara, foi feita uma ampla discussão sobre o tema. Propostas nesse sentido
foram apresentadas nos últimos anos
e reunidas num projeto do deputado
Luiz Antonio Fleury, com um bem
fundamentado parecer do relator, deputado José Eduardo Cardozo.
A proposta altera a Constituição de
1988, que passa a prever o voto aberto
nos casos de cassação de mandato de
deputado ou senador, eleição dos integrantes das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, escolha de ministros do Tribunal de Contas da União,
indicação de diretores do Banco Central, do procurador-geral da República, de embaixadores e, ainda, na apreciação de vetos do Poder Executivo a
leis aprovadas pelo Congresso.
O voto secreto deve permanecer
uma prerrogativa exclusiva do representado, e não mais do representante.
É o eleitor que precisa se resguardar
ao escolher, com intimidade indevassável, seu parlamentar. Mas o cidadão
que vota tem o direito de saber se
quem foi eleito por ele age de acordo
com o programa que apresentou na
campanha eleitoral e com o interesse
público. O fim do voto secreto fortalecerá os dois, pois o eleitor reforçará
seu respeito e apoio ao parlamentar, e
este terá cada vez mais o respaldo daquele ao seguir o figurino de conduta
legislativa ratificado nas urnas.
O voto secreto no Parlamento tem
origem histórica nas grandes lutas
pela liberdade. Surgiu na Inglaterra,
no século 17, como proteção do parlamentar contra pressões da monarquia. Foi especialmente oportuno em
regimes autoritários, quando a independência de um deputado poderia
custar-lhe o mandato ou a perseguição do Executivo.
No Brasil, foi adotado já na Constituição de 1824, que admitiu sessões
secretas impostas pelo "bem do Estado". Sofreu vaivéns, mas, enfim, se
enraizou no arcabouço jurídico com o
Código Eleitoral de 1932. Chegou aos
nossos tempos como exceção, pois,
hoje, a maioria das votações no Congresso são públicas. Mesmo medidas
duras ou impopulares, como a criação
de impostos, são votadas em painel
aberto.
A medida não é casuística. Há muito tempo pulsa no debate político
uma corrente favorável à universalidade do voto público. "O eleitor é que
deve votar secretamente (há razões
de técnica para isso); não o eleito",
disse o jurista Pontes de Miranda.
Outro antigo jurista, Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, constituinte de 1933, cuja biografia foi manchada pela tese de que "só a elite alfabetizada deve votar", teve razão
quando defendeu mais luz no Legislativo. "A publicidade ainda é mais necessária em se tratando das palavras e
votos de congressistas, que não têm
senão a responsabilidade moral e são
mandatários diretos do povo. Quando
erram, o castigo único é a repulsa geral e a falta de sufrágios quando pleiteiem a reeleição", pregou em 1954.
O projeto do deputado Fleury é de
2001. Na própria Câmara, funciona a
Frente Parlamentar pelo Fim do Voto
Secreto, já com mais de 200 integrantes, mostrando o poder mobilizador
do tema em nossa Casa.
Mesmo com o fim do voto secreto,
os parlamentares continuam a gozar
da prerrogativa da imunidade, assegurada até durante o estado de sítio.
Assim como permanece em vigor a
salvaguarda da inviolabilidade de deputados e senadores para garantir
suas opiniões, palavras e votos. Não
podem ser presos, exceto em flagrante de crime inafiançável, com julgamento exclusivo no Supremo Tribunal Federal, para evitar que sejam vítimas de inimigos políticos locais.
Não haverá, portanto, regressão
constitucional de seus direitos. Ao
contrário. A extinção das votações secretas é um imperativo para atualizar
a atividade parlamentar com um conteúdo democrático contemporâneo.
O grau de liberdade que conquistamos, sustentado num aparelho político sólido sob vigilância da chamada
opinião pública, viabiliza a publicidade integral dos atos de deputados e
senadores. O Legislativo e, principalmente, a Câmara dos Deputados, já é
a instituição mais vigiada, fiscalizada
e escrutinada da República.
Ao divulgar todos os votos, o Congresso dará mais um passo na direção
da transparência plena que, o povo
espera, seja seguido por outras instituições e corporações ainda cobertas
pelo manto opaco do segredo.
ALDO REBELO, 50, deputado pelo PC do B-SP, é presidente da Câmara dos Deputados.
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