São Paulo, terça-feira, 29 de agosto de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Pelo fim do voto secreto

ALDO REBELO

O cidadão que vota tem o direito de saber se quem foi eleito por ele age de acordo com seu programa e com o interesse público

COMO PRESIDENTE da Câmara dos Deputados, articulei um acordo com os líderes dos partidos para pôr em votação imediata a emenda à Constituição que abole o voto secreto no Congresso Nacional.
Há dois meses, em reunião com todos os líderes dos partidos da Câmara, foi feita uma ampla discussão sobre o tema. Propostas nesse sentido foram apresentadas nos últimos anos e reunidas num projeto do deputado Luiz Antonio Fleury, com um bem fundamentado parecer do relator, deputado José Eduardo Cardozo.
A proposta altera a Constituição de 1988, que passa a prever o voto aberto nos casos de cassação de mandato de deputado ou senador, eleição dos integrantes das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, escolha de ministros do Tribunal de Contas da União, indicação de diretores do Banco Central, do procurador-geral da República, de embaixadores e, ainda, na apreciação de vetos do Poder Executivo a leis aprovadas pelo Congresso.
O voto secreto deve permanecer uma prerrogativa exclusiva do representado, e não mais do representante. É o eleitor que precisa se resguardar ao escolher, com intimidade indevassável, seu parlamentar. Mas o cidadão que vota tem o direito de saber se quem foi eleito por ele age de acordo com o programa que apresentou na campanha eleitoral e com o interesse público. O fim do voto secreto fortalecerá os dois, pois o eleitor reforçará seu respeito e apoio ao parlamentar, e este terá cada vez mais o respaldo daquele ao seguir o figurino de conduta legislativa ratificado nas urnas.
O voto secreto no Parlamento tem origem histórica nas grandes lutas pela liberdade. Surgiu na Inglaterra, no século 17, como proteção do parlamentar contra pressões da monarquia. Foi especialmente oportuno em regimes autoritários, quando a independência de um deputado poderia custar-lhe o mandato ou a perseguição do Executivo.
No Brasil, foi adotado já na Constituição de 1824, que admitiu sessões secretas impostas pelo "bem do Estado". Sofreu vaivéns, mas, enfim, se enraizou no arcabouço jurídico com o Código Eleitoral de 1932. Chegou aos nossos tempos como exceção, pois, hoje, a maioria das votações no Congresso são públicas. Mesmo medidas duras ou impopulares, como a criação de impostos, são votadas em painel aberto.
A medida não é casuística. Há muito tempo pulsa no debate político uma corrente favorável à universalidade do voto público. "O eleitor é que deve votar secretamente (há razões de técnica para isso); não o eleito", disse o jurista Pontes de Miranda.
Outro antigo jurista, Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, constituinte de 1933, cuja biografia foi manchada pela tese de que "só a elite alfabetizada deve votar", teve razão quando defendeu mais luz no Legislativo. "A publicidade ainda é mais necessária em se tratando das palavras e votos de congressistas, que não têm senão a responsabilidade moral e são mandatários diretos do povo. Quando erram, o castigo único é a repulsa geral e a falta de sufrágios quando pleiteiem a reeleição", pregou em 1954.
O projeto do deputado Fleury é de 2001. Na própria Câmara, funciona a Frente Parlamentar pelo Fim do Voto Secreto, já com mais de 200 integrantes, mostrando o poder mobilizador do tema em nossa Casa.
Mesmo com o fim do voto secreto, os parlamentares continuam a gozar da prerrogativa da imunidade, assegurada até durante o estado de sítio. Assim como permanece em vigor a salvaguarda da inviolabilidade de deputados e senadores para garantir suas opiniões, palavras e votos. Não podem ser presos, exceto em flagrante de crime inafiançável, com julgamento exclusivo no Supremo Tribunal Federal, para evitar que sejam vítimas de inimigos políticos locais.
Não haverá, portanto, regressão constitucional de seus direitos. Ao contrário. A extinção das votações secretas é um imperativo para atualizar a atividade parlamentar com um conteúdo democrático contemporâneo. O grau de liberdade que conquistamos, sustentado num aparelho político sólido sob vigilância da chamada opinião pública, viabiliza a publicidade integral dos atos de deputados e senadores. O Legislativo e, principalmente, a Câmara dos Deputados, já é a instituição mais vigiada, fiscalizada e escrutinada da República.
Ao divulgar todos os votos, o Congresso dará mais um passo na direção da transparência plena que, o povo espera, seja seguido por outras instituições e corporações ainda cobertas pelo manto opaco do segredo.


ALDO REBELO, 50, deputado pelo PC do B-SP, é presidente da Câmara dos Deputados.

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