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O sorriso do curinga
Livre de ação penal, Palocci se vê beneficiado pela pasteurização do debate público na sua tentativa de reemergir
POLÍCIA e política, presunção de inocência e impunidade, escândalo e esquecimento, cumplicidade e companheirismo: tudo isso
se mistura no Brasil de hoje. O
caso do ex-ministro Antonio Palocci Filho representa à perfeição esse tipo de imbricamento.
Demitido do governo Lula em
meio a um escândalo inequívoco,
mesmo antes de a denúncia contra Palocci ser julgada no Supremo era intenso o movimento por
sua absolvição política. O que
significa, afinal, um episódio de
violação de sigilo bancário, promovida em retaliação a um serviçal doméstico, diante do excelente trânsito de Palocci nos setores que contam para o governo, seus sustentáculos na área
empresarial e financeira?
Palocci negou ter participado
de reuniões na célebre mansão
onde se reuniam seus colaboradores mais íntimos da "república
de Ribeirão Preto", num entra-e-sai de malas pretas e visitantes
mais e menos ilustres.
O caseiro do lugar, Francenildo Costa, desmente o ministro.
Dois dias depois, sobe às mais altas esferas da administração fazendária federal o extrato de sua
conta bancária, registrando depósitos de R$ 25 mil. A notícia
aparece na mídia. Estava feito o
trabalho: o ministro era inocente, e o caseiro, como num romance policial sem imaginação, tornava-se suspeito -teria recebido
gorjeta para prejudicar Palocci.
A versão oficial ruiu quando foi
revelada a origem lícita dos depósitos e ficou clara a maquinação por trás da quebra do sigilo.
Palocci perde o cargo, é indiciado, e o caso vai ao STF. Mas nem
tudo está perdido -por mais óbvia a felonia, todo julgamento
criminal segue uma lógica que
não é a do julgamento ético, ou
político.
Convencer os juízes de que
houve indício seja de crime, seja
da participação dos acusados na
sua consecução, é necessário para instaurar a ação penal. Quatro
ministros foram convencidos,
mas cinco rejeitaram a ação contra Palocci e determinaram seu
arquivamento -ainda que a única hipótese capaz de fazer sentido aponte para o cometimento
de uma violência de Estado, típica de ditaduras, com o fim de
constranger uma testemunha.
Até porque o placar foi o mais
apertado -em nova demonstração do caráter subjetivo desses
juízos-, mesmo a ausência de
processo judicial poderia inviabilizar a credibilidade política
daquele "inocente" tão suspeito.
Intervém então a circunstância
brasileira: a inocência formal se
torna passaporte para qualquer
candidato sair-se com seus chavões num debate com os adversários, onde todos podem acusar-se de corrupção e abusos vários sem grande afronta à verdade nem maior efeito prático.
A máquina faz o resto, com a
arrogância habitual. Lula haverá
de ungir o companheiro para o
que melhor convier. Eis Palocci
cogitado para governador, para
ministro, para candidato alternativo à Presidência. Livre do
obstáculo judicial, torna-se uma
espécie de curinga nas principais
articulações petistas.
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