São Paulo, sábado, 29 de agosto de 2009

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O sorriso do curinga

Livre de ação penal, Palocci se vê beneficiado pela pasteurização do debate público na sua tentativa de reemergir

POLÍCIA e política, presunção de inocência e impunidade, escândalo e esquecimento, cumplicidade e companheirismo: tudo isso se mistura no Brasil de hoje. O caso do ex-ministro Antonio Palocci Filho representa à perfeição esse tipo de imbricamento.
Demitido do governo Lula em meio a um escândalo inequívoco, mesmo antes de a denúncia contra Palocci ser julgada no Supremo era intenso o movimento por sua absolvição política. O que significa, afinal, um episódio de violação de sigilo bancário, promovida em retaliação a um serviçal doméstico, diante do excelente trânsito de Palocci nos setores que contam para o governo, seus sustentáculos na área empresarial e financeira?
Palocci negou ter participado de reuniões na célebre mansão onde se reuniam seus colaboradores mais íntimos da "república de Ribeirão Preto", num entra-e-sai de malas pretas e visitantes mais e menos ilustres.
O caseiro do lugar, Francenildo Costa, desmente o ministro. Dois dias depois, sobe às mais altas esferas da administração fazendária federal o extrato de sua conta bancária, registrando depósitos de R$ 25 mil. A notícia aparece na mídia. Estava feito o trabalho: o ministro era inocente, e o caseiro, como num romance policial sem imaginação, tornava-se suspeito -teria recebido gorjeta para prejudicar Palocci.
A versão oficial ruiu quando foi revelada a origem lícita dos depósitos e ficou clara a maquinação por trás da quebra do sigilo. Palocci perde o cargo, é indiciado, e o caso vai ao STF. Mas nem tudo está perdido -por mais óbvia a felonia, todo julgamento criminal segue uma lógica que não é a do julgamento ético, ou político.
Convencer os juízes de que houve indício seja de crime, seja da participação dos acusados na sua consecução, é necessário para instaurar a ação penal. Quatro ministros foram convencidos, mas cinco rejeitaram a ação contra Palocci e determinaram seu arquivamento -ainda que a única hipótese capaz de fazer sentido aponte para o cometimento de uma violência de Estado, típica de ditaduras, com o fim de constranger uma testemunha.
Até porque o placar foi o mais apertado -em nova demonstração do caráter subjetivo desses juízos-, mesmo a ausência de processo judicial poderia inviabilizar a credibilidade política daquele "inocente" tão suspeito. Intervém então a circunstância brasileira: a inocência formal se torna passaporte para qualquer candidato sair-se com seus chavões num debate com os adversários, onde todos podem acusar-se de corrupção e abusos vários sem grande afronta à verdade nem maior efeito prático.
A máquina faz o resto, com a arrogância habitual. Lula haverá de ungir o companheiro para o que melhor convier. Eis Palocci cogitado para governador, para ministro, para candidato alternativo à Presidência. Livre do obstáculo judicial, torna-se uma espécie de curinga nas principais articulações petistas.


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