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TENDÊNCIAS/DEBATES
A autorregulamentação é medida eficiente para
restringir a publicidade direcionada às crianças?
SIM
Experiência bem-sucedida e legítima
TAÍS GASPARIAN
TANTO COM relação à publicidade como em outros campos, a
autorregulamentação não só
tem se provado mais eficiente como
igualmente mais legítima. Em diversos segmentos, ela foi pioneira no enfrentamento de questões socialmente relevantes.
O recente acordo firmado entre as
empresas da indústria de alimentos
para restringir a publicidade dirigida
às crianças, exemplo bem-sucedido
da autorregulamentação, faz ressurgir o debate sobre a eficiência desse
mecanismo, em oposição às iniciativas do Executivo e do Legislativo.
No que se refere especificamente à
publicidade, sua proibição por lei é inconstitucional. Nenhuma passagem
da Constituição autoriza o cerceamento da liberdade de criação, nos
termos do artigo 220.
E nem há que questionar se esse
dispositivo também se aplica à publicidade, pois nele se faz expressa menção à propaganda comercial.
Os únicos produtos a que se pode
estabelecer alguma restrição -e não
proibição- à propaganda são aqueles
expressamente mencionados no parágrafo 4º do artigo 220: tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias.
A fúria legislativa, no Brasil, faz
com que alguns desatinos surjam de
tempos em tempos, sendo aconselhável que a sociedade civil fique alerta
para iniciativas que resultem em tutela excessiva do Estado.
Há alguns anos, uma lei do Estado
de Santa Catarina pretendia vedar fotografias de natureza erótica em
anúncios comerciais. O Supremo Tribunal Federal, com voto do ministro
Sepúlveda Pertence, entendeu que é
competência privativa da União legislar sobre propaganda comercial -como, aliás, dispõe a Constituição.
Há na Câmara dos Deputados um
projeto de lei para proibir a publicidade destinada a promover a venda de
produtos infantis. A propaganda de
qualquer produto destinado apenas à
criança se tornaria proibida. Fica a
dúvida: publicidade de fraldas então
seria proibida? E a de brinquedos?
Não se discute que a livre iniciativa
econômica deva ter limites. A legislação referente às práticas anticoncorrenciais, por exemplo, impõe restrições que constituem barreiras à atividade econômica, mas, por mais paradoxal que possa parecer, são elas que
protegem o seu desenvolvimento e o
consumidor. O STF, em decisão com
voto do ministro Eros Grau, decidiu
que a liberdade econômica é a regra e
que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais.
Nesse cenário, em que muito se discute e pouco se faz, a autorregulamentação tem papel essencial.
Desde 2006, o Conar (Conselho
Nacional de Autorregulamentação
Publicitária) adota recomendações
tanto em relação à publicidade infantil quanto à de alimentos e bebidas.
Entre outras, sugere aos seus associados que a mensagem publicitária
não contenha imperativo de consumo dirigido diretamente à criança ou
ao adolescente. Essas recomendações
têm sido respeitadas e, quando não
são, o Conar suspende a publicidade.
O mesmo Conar antecipou-se e
adotou diversas recomendações relativas à propaganda de bebidas alcoólicas, antes mesmo da edição da legislação relativa ao tema.
A autorregulamentação tem representado, assim, uma eficiente alternativa para a normatização e para a
prevenção e resolução de conflitos.
Espontânea que é, se baseia em um
consenso sobre os princípios e as práticas do setor econômico que regula.
Quando conta com a participação
de representantes da sociedade civil,
a autorregulamentação é respeitada
pelos agentes que orbitam no seu entorno e é prestigiada pelo Poder Judiciário e pela coletividade.
Na Europa, nos EUA e no Canadá,
há acordos como esse firmado pela
indústria alimentícia no Brasil. Neles,
comprometeram-se as indústrias alimentícias a restringir e moderar a comunicação publicitária dos seus produtos, justamente por reconhecerem
que o consumidor infantil é mais vulnerável e merecedor de proteção especial. A atitude, agora adotada no
Brasil, só pode ser aplaudida.
Na prática, por uma ou outra razão,
tanto as recomendações do Conar
quanto o acordo assinado pela indústria alimentícia representam as únicas e efetivas regras existentes no país
acerca do tema.
TAÍS GASPARIAN , 50, é mestre pela Faculdade de Direito
da USP e sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo Gasparian - Advogados.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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