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São Paulo, segunda-feira, 29 de setembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A pé ou de bicicleta

ANTONIO IMBASSAHY


Somente a renúncia fiscal dos governos federal, estaduais e municipais vai desonerar o transporte público

Em seu texto publicado por esta Folha no último dia 7 de setembro ("Se você acha que o MST incomoda, prepare-se", Cotidiano, pág. C12), o jornalista Gilberto Dimenstein antevê algo inevitável: a reprodução, em escala nacional, dos protestos dos estudantes de Salvador contra o aumento das tarifas de ônibus.
As manifestações em torno das tarifas de transporte público são apenas o início de uma inevitável mudança da agenda brasileira de reivindicações sociais, num momento em que se registra crescimento do desemprego e aumento da carga tributária -que, queira ou não o governo Lula, vai recair sobre os trabalhadores.
Mais do que mero meio de locomoção, o sistema de transporte coletivo em qualquer grande cidade brasileira é instrumento de produção, sem o qual não há política de desenvolvimento nacional que se sustente.
Dados das associações nacionais das empresas concessionárias mostram que, entre 1995 e 2002, período em que a economia brasileira pouco cresceu, o transporte coletivo no país perdeu, em média, 25% dos usuários -algo em torno de 55 milhões de passageiros por dia.
O melhor retrato prático dessa perda de usuários e da consequente inviabilização da produção está no fato, também noticiado por esta Folha e por outros veículos da mídia nacional, de que, para trabalhar, a população com renda mensal inferior a três salários mínimos das regiões metropolitanas está deixando de utilizar o transporte coletivo urbano. Altas tarifas e serviço deficitário são o pano de fundo de uma imagem cada vez mais comum nas capitais brasileiras: a opção pela bicicleta ou mesmo por extensas caminhadas para chegar ao trabalho ou, pior ainda, para buscar uma vaga no mercado de trabalho.
Cálculos realizados pela assessoria técnica da Secretaria dos Transportes de Salvador mostram que um esforço concentrado entre União, Estados e municípios permitiria uma redução de 35% no valor final da tarifa básica dos ônibus municipais. Trata-se de um assunto de caráter nacional, que não pode ser enfrentado somente pelas administrações municipais.
Para desonerar os transportes públicos e reduzir o valor das tarifas, é necessário que cada uma das instâncias de poder (União, Estados e municípios) reduza os tributos de sua competência que incidam sobre a tarifa. É preciso que o governo federal diminua, por exemplo, o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) que incide nas peças e componentes dos ônibus, bem como o reajuste dos preços do óleo diesel, usados no abastecimento dos coletivos.
Aos Estados caberia reduzir o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que incide sobre o preço dos combustíveis. Às prefeituras cabe a redução do ISS (Imposto sobre Serviços) e da taxa administrativa cobrada das empresas. No caso de Salvador, já baixamos o ISS, de 5% para 2%, mas só ações municipais não permitem a melhoria do serviço público de transporte coletivo e a redução efetiva da tarifa.
Diante do quadro que se desenha no país, apresentei todas essas propostas para redução da tarifa ao governo federal, logo depois de um amplo debate com o Fórum Nacional dos Prefeitos e com o Fórum de Governantes de Cidades-Sedes de Regiões Metropolitanas.
A questão ganhou dimensão nacional e está mobilizando os prefeitos, que querem uma sinalização positiva do governo federal. Deve-se tratar o setor de transportes como item da cesta básica, buscando a redução dos custos da folha de pagamentos das empresas de transporte público, por meio de tributação sobre o faturamento, além do esforço para minimizar os impostos que encarecem o diesel e peças de reposição.
Durante o 51º Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Transporte Urbano e Trânsito, realizado em Curitiba, no início do mês, ficou definida também a mobilização de um pacto entre os governantes de capitais para solicitar ao governo federal a aplicação de 75% dos recursos da Cide no Fundo Nacional de Transportes, que, por sua vez, repassaria 25% do montante total das verbas para o transporte urbano.
Nessa situação limite, somente a renúncia fiscal dos governos federal, estaduais e municipais vai desonerar o transporte público e, por consequência, dar condições a que se estabeleçam tarifas mais acessíveis ao trabalhador, na hora em que mais se torna necessário somar forças para a retomada do desenvolvimento.


Antonio José Imbassahy da Silva, 55, engenheiro eletricista, é prefeito de Salvador, pelo PFL. Foi governador do Estado da Bahia (1993-1994).


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