São Paulo, sexta-feira, 29 de setembro de 2006

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JOSÉ SARNEY

Urna e verdade eleitoral

AS ELEIÇÕES continuam sendo um momento crítico desta invenção antiga, o autogoverno. Da democracia direta na praça do povo até hoje, a questão fundamental é encontrar a vontade do eleitor, a "verdade eleitoral".
O Brasil caminhou excepcionalmente no processo de votação. Ele distanciou-se para melhor do sistema eleitoral com uma velocidade impressionante. No Império, vigorou a eleição censitária, isto é, aquela que exigia que os eleitores fossem pessoas de posse. Era uma eleição indireta entre os eleitores de paróquia, e a lei mandava que antes se celebrasse missa e "te deum".
Mas logo houve a preocupação de criar um processo eleitoral: vieram as leis dos Círculos e a Lei do Terço. Veio a obsessão do conselheiro Saraiva, com a introdução da eleição direta, em 1881. Mas eram eleições sem povo. Sem povo -com o "povo bestificado"-, fizemos a República.
Campo Sales, com a política dos governadores, pretendeu fazer representações legítimas com a fraude. Anotadas a bico de pena, mostrando a cédula ao presidente da mesa, o processo terminava com as depurações que ficaram célebres com Pinheiro Machado, de quem se conta a frase: "Menino, tu não serás reconhecido por três razões: a terceira é que não foste eleito".
A Revolução de 1930, que deveria transformar as eleições, terminou com Getúlio acabando com elas. 1946 voltou com novas idéias, inclusive o alistamento obrigatório, fruto de nossa necessidade de legitimar a democracia com o voto do povo. Vieram a cédula oficial, os serviços de alistamento -eu mesmo apresentei vários projetos criando o Serviço Nacional de Alistamento Eleitoral. Mas os mortos continuavam sendo convocados para votar. Presidente, o ministro Néri da Silveira me apresentou o projeto do título eletrônico, para acabar com o eleitor falso. Daí foi um passo para a máquina de votar.
Embora a chance de fraude na urna seja remota, resta a vulnerabilidade que sempre existe na informática na transmissão dos dados. Mas o TSE já tem experiência e tecnologia para evitar qualquer hacker ou fraudador.
Não é só o problema da boca de urna, do abuso do poder econômico. Formamos um dos maiores colégios eleitorais do mundo, mas não conseguimos formar o essencial: um sistema de representação baseado em partidos. Para isso, precisamos acabar com a excrescência do voto proporcional uninominal, com a competição entre candidatos de um mesmo partido, a falta de idéias e programas coletivos. É discurso velho: faz 32 anos que apresentei o primeiro projeto de voto distrital misto.
Louvemos o exemplo da urna eletrônica e vamos passar para a reforma política.


jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY
escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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