São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2004

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JOSÉ SARNEY

Deus inspira Bush

Não há como fugir de falar sobre eleição. No Brasil e nos Estados Unidos. No Brasil, não há como fugir de São Paulo, que afinal ficou sendo a cara da eleição e onde se misturaram problemas locais da cidade gigante -e gigantes são seus problemas- com a disputa nacional, com conotações que vão do crescimento econômico até Guaribas, onde o Fome Zero não matou a fome de votos do prefeito que perdeu.
A conduta do presidente Lula foi impecável. Cumpriu seu dever de solidariedade com os companheiros, na capa formal das mensagens dos programas eleitorais, sem comprometer sua autoridade e sem permitir que o governo se envolvesse na campanha.
Até hoje não sei por que não se discute a necessidade de segundo turno na eleição de prefeitos e governadores. Participei da campanha da UDN em favor da maioria absoluta, querendo atingir Juscelino na sua disputa com Juarez Távora, em 1955. O argumento da maioria absoluta era muito forte. O presidente da República representa a soberania nacional. Deve ser o presidente de todos os brasileiros. Portanto necessita, como chefe de Estado, da maioria absoluta dos votos, metade mais um, para investi-lo na autoridade soberana da nação, o que não acontecia com as eleições que permitiam eleitos com qualquer votação, um vigésimo, um terço dos votos. O sistema enfraquecia a instituição da Presidência e a governabilidade.
O argumento era esse. Agora pergunta-se: por que aplicar essa regra a prefeitos se eles não exercem qualquer soberania? São meros administradores municipais. E por que, se o argumento for outro, fixar o limite em municípios com mais de 200 mil eleitores? Se é princípio, deveria ser aplicado a todos.
A incorporação desse princípio na Constituição foi de ordem política, para valorizar os partidos de esquerda na escolha das grandes cidades.
O domingo vem aí e vai acabar com essa busca dos institutos de pesquisa, que agora incluíram os parâmetros de votos válidos, que, somados às margens de erro, tornam a coisa tão difícil, ou tão fácil, que qualquer resultado das urnas está nas previsões.
Agora a eleição americana. Quem está no Brasil não avalia o que o Bush, em busca da reeleição, fez com os Estados Unidos. Convenceu o povo de que a guerra não é no Iraque, é contra o terrorismo. Ele não fala em Iraque, só na guerra contra o terror. E mete medo, dizendo que estão ameaçados, que o ataque está chegando -e haja alerta amarelo, vermelho e alarme. Tudo "cesta básica", dessas que se distribuem no Brasil para "convencer" os eleitores.
Todos estão com medo. A América está com medo, pensando nesta guerra invisível que diz estar chegando e só ele, Bush, combater. É uma coisa irracional e difícil de acreditar. A América profunda, essa senhora do mundo, isolacionista e sectária, está convencida disso, e quem não acredita é traidor. Daí o cuidado de Kerry -que, às vezes, parece incoerência- em lidar com essa realidade. Apesar disso, a disputa está empatada.
A coisa está de tal maneira que perguntaram a Bush quem o aconselhava a esse comportamento e um repórter adiantou: "Foi seu pai, o Bush velho". Bush respondeu: "Não, eu não iria por tão pouco, foi meu Pai, que está no céu. É ele meu orientador".
Veja o que Bush fez com Deus. Colocou-o nessa tarefa inglória de orientá-lo a matar e a torturar os miseráveis iraquianos, mais miseráveis que as cabras que vagam pelo deserto da antiga Babilônia!


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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