São Paulo, quinta-feira, 29 de outubro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Neutralidade de rede

CLEVELAND PRATES


É hora de priorizar o tema. Não há como fugir de uma discussão mais franca sobre o que queremos de nossa internet no futuro

NOS ÚLTIMOS anos, tenho dedicado parte do meu tempo a entender melhor o que os teóricos chamam de economia de redes e a aplicação de sua lógica à internet.
A internet é um conglomerado de redes interligadas em escala mundial que permite que seus usuários tenham acesso às mais variadas informações e a todo tipo de transferência de dados.
Essa estrutura tem suportado vasta gama de aplicativos, tais como comércio eletrônico, voz sobre IP, comunicação por e-mail, blogs, sites de relacionamento, download de músicas e vídeos etc. Não por outra razão, o nível de eficiência na economia moderna tem se elevado substancialmente.
Recentemente, ao abrir a página da Federal Communications Commission (FCC), órgão norte-americano equivalente à Anatel, fui positivamente surpreendido com uma chamada de primeira página, denominada OpenInternet.gov, na qual o atual presidente daquela agência faz um convite a toda a sociedade para participar da discussão sobre o modelo de internet a ser implementado nos próximos anos. Seu objetivo é abrir uma discussão sobre o quão neutra deve ser uma rede.
Mas, afinal, o que é neutralidade de rede e qual o seu impacto para a sociedade? De maneira geral, o princípio da neutralidade pressupõe que todos os dados que trafegam pela internet devem ter um tratamento isonômico, sem qualquer tipo de discriminação.
Sob o ponto de vista teórico, a discriminação pode ocorrer de pelo menos duas maneiras. A primeira delas é por bloqueio ou degradação deliberada da qualidade do tráfego. Exemplos desse tipo são percebidos por quem utiliza o serviço Voip (telefonia via internet), principalmente em determinados momentos do dia.
Uma segunda forma é aquela associada à hierarquização dos serviços prestados. Pelo lado do consumidor, isso acontece, por exemplo, por meio de pacotes com preços diferenciados conforme a velocidade e o volume de dados demandados. Note-se que esse tipo de discriminação não é, em princípio, um problema, pois estimula o uso mais eficiente da rede.
Já a hierarquização pelo lado da oferta dos serviços prestados é mais preocupante. Discriminar cobrando um prêmio de quem oferece serviço na rede pode equivaler a "pegar uma carona" em parte do valor agregado criado por alguma empresa.com ou inibir a oferta de novos serviços pelas pequenas empresas que não têm recursos para arcar com custos mais elevados.
Garantir a neutralidade de rede tem como potenciais resultados a manutenção da concorrência na internet (e de todos os benefícios a ela associados, principalmente o trinômio preço, qualidade e inovação) e as novas oportunidades de realização de negócios (com consequente elevação de empregos e da renda gerada).
Na mesma linha, a garantia da livre circulação de informações, além de favorecer aspectos democráticos, também tem impacto sobre as decisões dos agentes econômicos e sobre a eficiência do processo decisório de cada um.
Sob o ponto de vista teórico, há uma infindável discussão sobre o que seria de fato mais eficiente: aplicar o princípio da neutralidade como um todo ou em parte, regular ou não regular.
Já sob o ponto de vista prático, esse tema está a cada dia mais presente na agenda de vários países. O Japão, por exemplo, adota claramente uma atitude em favor da neutralidade. E os EUA, após um período em que a FCC se colocou em oposição a qualquer legislação que contemplasse garantias quanto à neutralidade de rede, hoje reconhecem que os resultados dos anos passados não foram os melhores para a sociedade norte-americana.
Qual a importância dessa discussão para o caso brasileiro? A exemplo dos americanos, entendo que é hora de priorizar o tema. Isso porque, em primeiro lugar, o que for decidido hoje terá impacto sobre o nível de investimento futuro no setor e sobre o ritmo de inovação vigente na internet.
Em segundo, nossa estrutura de rede é muita mais concentrada do que a dos Estados Unidos, o que indica que o consumidor brasileiro e os fornecedores de serviços aqui têm menos opções de escolha. Em terceiro, porque, ao comparar os preços vigentes e a qualidade dos serviços prestados pelas empresas de banda larga no Brasil e no resto do mundo, fica claro que existem ineficiências que devem ser analisadas e corrigidas.
Se o objetivo do governo é de fato tornar a economia brasileira mais eficiente, gerar mais empregos e tornar a sociedade mais democrática, não há como fugir de uma discussão mais franca sobre o que queremos de nossa internet no futuro.


CLEVELAND PRATES , professor de regulação e defesa da concorrência da FGV, é sócio-diretor da MicroAnalysis Consultoria Econômica Ltda.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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