São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Vilmar não vai votar

SÃO PAULO - Falou-se muito em direito à vida neste segundo turno. Quase sempre de modo oportunista ou com propósitos obscurantistas.
Dilma Rousseff e José Serra gostam de enfatizar que o objetivo final de seus governos é "cuidar das pessoas". As propagandas insistem em nos mostrar personagens pobres, emocionados diante daquele a quem atribuem alguma conquista.
O núcleo da mensagem é arcaico -o que deveria ser um direito aparece como bondade e favor. Sem contar o apelo novelesco, melodramático, à custa da miséria.
Pois bem. Vilmar Camargo dos Santos não vai votar. Tinha 47 anos e era pedreiro. Morreu na terça-feira, depois de agonizar numa calçada na região central de São Paulo.
Com dor no peito, procurou um posto de saúde (uma UBS/AMA, onde, em tese, há consultas agendadas e atendimento ambulatorial de emergência). Na recepção, no entanto, indicaram-lhe o pronto-socorro na quadra ao lado. Vilmar morreu no meio do caminho, em frente a uma escola. Estava, segundo a reportagem, "a 20 passos de uma Unidade Básica de Saúde e a 40 passos de um pronto-socorro municipal". Ninguém se mexeu, nem na UBS nem no hospital, para salvar sua vida. O IML levou quatro horas para remover o corpo.
Alguém ousaria dizer que Vilmar é "um caso isolado"? Parece, antes, um caso exemplar do que ainda significa ser pobre no Brasil.
Duas semanas atrás, noticiou-se a morte da aposentada Magda dos Santos, de 61 anos, que esperou em vão durante cinco dias por atendimento adequado num posto de saúde da Baixada Fluminense depois de ter sofrido um AVC.
Vilmar e Magda são vítimas do sistema público de saúde, a cuja precariedade estão condenadas 150 milhões de pessoas sem condições de pagar plano privado. Direito à vida? Comecemos por essa tragédia social sem rosto, estampada no destino desses dois personagens acidentais da campanha eleitoral.


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