São Paulo, sábado, 29 de outubro de 2011

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RUY CASTRO

Peritos na lei

RIO DE JANEIRO - Uma grã-fina carioca disse ao marido, poderoso empresário, que sua vida estava um tédio. Não suportava mais a rotina de piscina, cabeleireiro, almoço com as amigas, chá beneficente e boate. O marido sugeriu-lhe quebrar a monotonia. Que tal fazer um curso de cerâmica, adotar um órfão vietnamita ou dirigir o "house organ" da empresa? Ela escolheu a última hipótese -e disso, em 1968, surgiu a lendária revista "Diners".
O fato de um curso de cerâmica ser uma opção de vida dá uma ideia do prestígio que certas atividades extracurriculares podiam ganhar de repente. Nos anos 50, por exemplo, milhares fizeram o curso da Tabela Price. E com razão: não se comprava um pirulito a prazo que não fosse pela Tabela Price -um método complicadíssimo para calcular as parcelas de amortização de um empréstimo ou algo assim. Até pessoas que só pagavam à vista se sentiam na obrigação de fazer o curso.
Outro "must" dos anos 50 e 60 era o curso de etiqueta da Socila, no Rio, que ensinava a descer escadas com um livro na cabeça. Ou o de danças de madame Poças Leitão, em São Paulo, onde, de quebra, aprendia-se a deixar de roer as unhas. Um curso obrigatório em 1970 era o do parto sem dor -uma amiga minha fez, tendo como colega Leila Diniz; na hora do parto, doeu horrores e ambas acabaram na cesariana.
E o que dizer dos cursos de ikebana, feng shui, enfeite de Natal, dança do ventre, bordar arraiolo ou pintar ovos de Páscoa? E o cursilho? Todos tiveram o seu dia.
A nova doença nacional são os cursos de Lei Rouanet. E por que não? Não se monta hoje um circo de pulgas no Brasil sem a bênção da Lei Rouanet. Mas ela tem nuances e mistérios indecifráveis. Por sorte, há agora tantos cursos ensinando a nos "capacitarmos" que logo seremos quase 200 milhões de peritos em Lei Rouanet.


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