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TENDÊNCIAS/DEBATES
Deixa o homem trabalhar?
MARCO ANTONIO VILLA
Pelos compromissos de 2006, fica evidente que Lula começou a abolir as sextas e segundas da agenda ou a ter só um despacho nesses dias
NO PRIMEIRO ano da Guerra
do Peloponeso, Péricles fez
um célebre discurso. Recordou aos críticos que "não é o debate
que é empecilho à ação, e sim o fato de
não estar esclarecido pelo debate antes de chegar a hora da ação".
O conservadorismo tupiniquim incorporou essa fala antidemocrática
-no sentido ateniense. O discurso foi
migrando até chegar ao PT. A candidatura Lula assumiu e propalou com
ardor o slogan: "Deixa o homem trabalhar". Era uma evidente resposta às
críticas da oposição. O discurso conservador -ao estilo espartano, para
voltar à Grécia- enfatizava o trabalho árduo do presidente.
Procurei a fonte disponível para
checar se o slogan tinha alguma base:
a agenda presidencial (pelo site
www.presidencia.gov.br). Já tinha
realizado essa pesquisa no ano passado e esperava, sinceramente, que o
ritmo de trabalho do presidente tivesse entrado nos eixos. Ledo engano. A
agenda é confusa, não há lógica no cotidiano presidencial. É difícil até entender o critério dos deslocamentos.
Muitas vezes, em prazo curto, foram realizadas viagens para o mesmo
Estado, quando poderia haver só um
deslocamento, diminuindo custos e
obtendo maior eficiência. Outras vezes, a viagem é para cumprir um desejo do presidente, como se o país estivesse voando -algo especialmente
difícil atualmente- em céu de brigadeiro. Um exemplo foi o deslocamento da comitiva presidencial para São
Paulo simplesmente para inaugurar o
Memorial do Corinthians.
Observando os compromissos de
2006, ficou evidente que o presidente
começou a abolir as segundas e as sextas-feiras da agenda ou a ter só um
despacho nesses dias. A jornada de
trabalho também diminuiu. Em alguns dias, a agenda iniciou às 10h, foi
interrompida para o almoço e, às 16h,
o expediente foi encerrado.
Lula quase acabou com aquelas
reuniões de todo o ministério -foram
sete em 2003, cinco no ano seguinte
e, em 2005, quatro. Em 2006, fez só
um desses encontros, o que foi saudável, mas não considerou relevante a
reunião reduzida de ministros quando houvesse um assunto de interface
entre os ministérios, revelando descaso por temas administrativos.
Lula insistiu na importância da manutenção de várias secretarias com
status de ministério, dada a relevância dos "movimentos sociais". Mas a
agenda o desmente. O MST, além de
outros "movimentos sociais", não foi
recebido nenhuma vez, e o ministro
do Desenvolvimento Agrário, apenas
uma. E a ministra Matilde Ribeiro
(Políticas de Promoção da Igualdade
Racial) teve a atenção presidencial
em só um encontro de meia hora no
ano todo. Pior sorte teve a Comissão
de Ética Pública, vinculada diretamente à Presidência: não foi recebida
sequer uma vez. É compreensível...
Já Ricardo Berzoini foi um homem
de sorte. Como presidente do PT, esteve no gabinete cinco vezes em apenas seis meses. Curiosamente, quando foi ministro da Previdência Social,
se encontrou somente uma vez com o
presidente. Donde se deduz que, para
Lula, o PT é mais importante que os
milhões de aposentados.
Entre os congressistas, o recordista
foi Renan Calheiros: seis entrevistas.
Que inveja a ministra Nilcéa Freire
(Políticas para as Mulheres) deve ter
do senador: em dois anos e meio, nunca foi recebida pelo presidente.
Quando teve início a campanha, a
agenda, que já era caótica, ficou ainda
mais sem sentido. E vazia. Em agosto,
em diversos dias, o expediente terminou às 12h30 (como no dia 2); em outros começou, às 11h, 12h ou 12h30
(como nos dias 7, 10, 14, 18 e 28). Em
setembro, a situação se agravou. Poucos despachos. E, quando eram realizados, não passaram de atividades
eleitorais, como em 21/9, quando recebeu "personalidades do mundo do
livro" e assinou o decreto do cão-guia.
Se a situação já era preocupante,
entre o primeiro e o segundo turno ficou ainda pior. Do dia 6 até o dia 29/
10, estão registrados somente 16 compromissos. Nesses 24 dias, Lula teve
uma média de 0,6 compromisso/dia.
A eficácia do trabalho é altamente
questionável. A 6/10, teve um encontro de meia hora com o presidente
eleito do México (única atividade daquele dia); no dia 24, o solitário registro foi a condecoração de Felipe Massa realizada no aeroporto de Congonhas. Ou seja, durante o mês de outubro, o governo ficou acéfalo.
A análise da agenda revela que o governo não tem rumo, que as atividades presidenciais são mal planejadas
e que o presidente mais parece chefe
de estado que chefe de governo. Em
um país que está estagnado a um
quarto de século, é muito grave.
MARCO ANTONIO VILLA, 50, é professor de história da
Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor de, entre
outras obras, "Jango, um perfil (1945-1964)".
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