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TENDÊNCIAS/DEBATES
Eles estão chegando
ALOIZIO MERCADANTE
A senhora apontou para o saguão cheio de gente: "Assim não dá. Isso parece rodoviária. Eles tomaram conta do aeroporto"
ESTAVA EM Congonhas quando
uma senhora muito bem-vestida se aproximou e começou a reclamar. Pensei tratar-se de atraso ou
cancelamento de vôo. Não era. Com
um gesto largo, a senhora apontou para o saguão cheio de gente de todas as
classes sociais e disparou: "Assim não
dá. Isso aqui parece uma rodoviária.
Eles tomaram conta do aeroporto".
É, antes, muitos deles vinham de
ônibus velhos e paus-de-arara, pisando a terra batida das estradas e o cimento sujo das rodoviárias.
Agora, alguns deles já vêm de avião e marcham
com desenvoltura sobre o luxuoso
mármore dos aeroportos.
Eles, quem diria, estão invadindo
um sistema de transportes que era
privilégio histórico de pequena minoria. Tiveram a petulância de contribuir para aumentar o número de embarques e desembarques em 44% nos
últimos três anos. As más-línguas dizem até que eles são também responsáveis pela crise aérea.
Mas eles não se contentam com isso. Eles têm os desejos atávicos dos
que nunca tiveram seus desejos satisfeitos. Eles querem mais e estão chegando a muitos lugares antes cuidadosamente reservados aos bem-nascidos. Eles estão chegando às universidades. Até às particulares!
Com efeito, não satisfeitos em entrar nas universidades públicas com o
sistema de quotas, eles estão começando a percorrer os corredores das
universidades privadas com o ProUni, que já colocou nos últimos três
anos quase meio milhão deles no ensino superior.
Os mais pobres deles estão chegando à luz elétrica. Graças ao programa
Luz para Todos, milhões de brasileiros fugiram das trevas e dos simpáticos, porém obsoletos, lampiões de
querosene. Isso transformou suas vidas e os colocou, finalmente, com
mais de cem anos de atraso, no século
20. Se esse processo tiver continuidade, no futuro próximo, o século 19
será passado em todo o Brasil.
"Mon Dieu"!
Eles estão começando a chegar aos
computadores. Embora falte muito
para acabar com o apartheid digital
no Brasil, a desoneração da produção
de bens de informática vem aumentando exponencialmente a venda de
computadores, que cresceu 46% em
2006 e deverá chegar a 8 milhões de
unidades em 2007.
E eles estão chegando também à internet. De banda larga! O meu projeto
de colocar essa tecnologia revolucionária em todas as escolas públicas do
Brasil, somado à recente decisão do
governo de levar a internet de banda
larga, até 2010, a todos os 3.570 municípios ainda não conectados, deverá
beneficiar cerca de 49 milhões de jovens brasileiros.
Desse jeito, em pouco tempo, o século 21 será presente em todo o país!
Eles estão chegando à sociedade de
consumo. E não são poucos. Segundo
o IBGE, em apenas três anos (2004 a
2006), impulsionados por um crescimento econômico de 4,1% ao ano e
por políticas ativas de distribuição de
renda, cerca de 17 milhões de brasileiros deixaram a miséria para trás.
Engordada por um aumento real do
salário mínimo de 25% nesse triênio e
pelo Bolsa Família, que já beneficia 11
milhões de núcleos familiares, a renda per capita dos 50% mais pobres do
país cresceu num ritmo chinês: 32%,
duas vezes mais do que os rendimentos dos 10% mais ricos.
Dessa forma, está se ampliando o
mercado interno, e o país, apesar das
grandes desigualdades ainda existentes, começa a chegar à tão desejada
combinação de crescimento econômico sustentado com distribuição de
renda.
Eles estão chegando ao mercado de
trabalho. E pela porta da frente, com
carteira assinada. Nos últimos três
anos, a ocupação total cresceu 8,2%, o
que corresponde a quase 8 milhões de
novos postos de trabalho, e os trabalhadores formalizados cresceram
bem mais: 18%. Dessa maneira, o Brasil poderá combinar taxas de desemprego baixas com setor informal minoritário. Que audácia!
Mas tem gente que não está gostando nada disso. Trata-se da minoria
que quer manter seus privilégios e vê
com desconfiança esses processos de
mobilidade e inclusão social. São os
xiitas da desigualdade, do monopólio
do poder, que encaram tais mudanças
como uma invasão de bárbaros.
De certa forma, têm razão. Bárbaros, para os antigos gregos, eram os
estrangeiros. E eles, os excluídos,
sempre foram estrangeiros em seu
próprio país. Agora, no entanto, eles
estão chegando à cidadania. Chegando ao Brasil, após 500 anos.
Para completar o quadro, o ONU
acaba de incluir o país na lista das nações com índice de desenvolvimento
humano alto. Se a coisa continuar assim, é possível que o Brasil converta-se, afinal, em um país de todos.
ALOIZIO MERCADANTE OLIVA, 53, economista e professor licenciado da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e da Unicamp (Universidade Estadual
de Campinas), é senador da República pelo PT-SP.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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