São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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Você é a favor da restrição à meia-entrada?

SIM

Demagogia e superficialidade

RICARDO CHANTILLY


"Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação" (Renato Russo)

AS LEIS municipais e estaduais de meia-entrada começaram a vigorar no Brasil no início dos anos 90, oferecendo 50% de desconto nos ingressos para os estudantes.
Os Excelentíssimos vereadores e deputados estaduais que aprovaram as leis se esqueceram apenas de especificar de onde viria a verba para subsidiar o desconto. Em nenhum outro país no mundo existe uma lei como essa. Como mostra reportagem da Folha (ontem), o desconto em diversos países é concedido para estudantes e idosos em museus e parques de propriedade do Estado. Em algumas ocasiões, os produtores utilizam o desconto de maneira promocional.
Os produtores culturais no Brasil discutem há anos não sobre o direito de estudantes, idosos, professores e outras classes beneficiadas a essas leis, mas sobre o direito de trabalhar e receber pelo esforço e investimento.
Vale lembrar que somos empresas privadas, empregamos milhares de pessoas e pagamos impostos. Talvez você não saiba, mas pagamos impostos integralmente até sobre os ingressos que somos obrigados a vender com 50% de desconto.
Na verdade, não estamos discutindo subsídio à cultura, pois, se essa lei tivesse o real interesse de fomentar cultura no Brasil, ela teria que instituir o meio-livro, a meia-borracha e, no caso dos idosos, porque não criar o meio-plano de saúde ou o meio-remédio? Para isso existe a rede pública de saúde, o Programa Nacional do Livro e outros programas pagos pelo governo com os impostos do contribuinte. Por que só na meia-entrada esse subsídio não existe? A discussão sobre a meia-entrada nos espetáculos no Brasil não esbarra na cultura, mas emperra na demagogia e na matemática. Como pagar os custos se 80% dos ingressos que seriam vendidos, digamos, a R$ 40 forem vendidos por R$ 20? Simples, mas trágico. Somos forçados a aumentar o valor do ingresso. O resultado é que o estudante paga inteira.
Quem não é estudante paga dobrado, e assim assistimos às bilheterias minguarem devido aos preços elevados.
Do jeito que funciona hoje, a meia-entrada apenas espanta o público normal -aquele que não é idoso e que não possui a carteira de estudante ou não tem carteira ilegal. Você, cidadão comum, que já paga seus impostos para que o governo crie políticas públicas, está pagando novamente pelas categorias que têm o desconto.
Em qual outra atividade econômica o governo decide que haverá um desconto de 50% sem definir também uma fonte para o custeio? Para ficarmos em só um exemplo, o taxista tem direito a 30% de desconto na compra de um carro novo, mas quem dá o desconto é o próprio governo, isentando-os dos impostos, e não as montadoras.
Alguns alegam que já somos beneficiados pelas leis de incentivo, como a Lei Rouanet. Agora, o que ninguém fala é que esses eventos têm que dar ingressos gratuitos como contrapartida social e que poucos espetáculos são contemplados com essas leis.
Quando a presidente da UNE demagogicamente declara que a nova lei federal, se aprovada, irá restringir um direito histórico dos estudantes, eu pergunto: qual direito? O de pagar inteira e obrigar todo o resto da população a pagar dobrado? Desde quando pode existir direito adquirido de uma categoria sobre o trabalho de outra? Se usarmos esse raciocínio, os advogados poderiam ter desconto no tratamento dentário. Mas o que os dentistas têm a ver com os advogados? Por que os artistas, músicos e produtores culturais têm de pagar por um benefício que é obrigação do governo? Se as entidades estudantis estão realmente preocupadas em fomentar cultura, que cobrem isso dos governos -com certeza terão o nosso apoio. O que não pode ser feito é tratar de um assunto tão importante com demagogia e superficialidade.
Quando sugerimos uma cota mínima de 30%, não estamos restringindo, mas criando a meia-entrada no Brasil. Queremos apenas poder cobrar o justo pelo nosso trabalho. Somos a favor da meia-entrada, mas com responsabilidade e sem onerar a cadeia produtiva da cultura e o cidadão que paga impostos.

RICARDO CHANTILLY é diretor da Abeart (Associação Brasileira dos Empresários Artísticos)



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