São Paulo, domingo, 29 de novembro de 1998

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CRISE E SEGUNDO MANDATO

São tantas as incógnitas na política e na economia que parece precipitado equacionar uma análise a respeito das perspectivas para o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Mas tal profusão de dúvidas por si só deixa transparecer que o presidente deverá iniciar seu novo governo reparando avarias e protegendo-se contra novas tempestades.
Em 1995, na sua primeira posse, FHC dispunha de prestígio, fôlego e tranquilidade em nível significativamente maior que o de hoje, cacife importante para enfrentar a dura tarefa de realizar reformas no Estado e na economia. Agora, além de restarem ainda muitos desses deveres do primeiro mandato, aliás negligenciados, o governo está diante da nova maré de problemas impulsionada pela intriga política, pela fragilidade de um país que não passou pelas mudanças necessárias e pela instabilidade da economia internacional.
O problema mais recente, o episódio dos grampos e do dossiê Caribe, pode reservar ainda surpresas desagradáveis; nessa hipótese, haverá mais consequências para a situação política do presidente. Não se sabe se os conspiradores que detonaram tal crise consideram bastantes os danos que causaram e se já colheram os benefícios de seus malfeitos. Mas estes foram suficientes para atingir fortemente o núcleo mais íntimo de assessores da Presidência. Demitiram-se quadros importantes e surgiram fortes rumores de rixas lamentáveis dentro do Planalto. Tal contenda enfraqueceu o presidente e propiciou um avanço oportunista dos partidos de sua coalizão, tendo em vista desde já a disputa de 2002.
Tais baixas e desavenças devem fazer com que se torne mais difícil para o governo levar a efeito as correções de rota necessárias na condução do país. Mas este parece quase um problema menor, dadas as incertezas da economia, aqui e alhures.
Espera-se que haja tempo para respirar, agora que é quase certo o acerto com o FMI. Até o pacote fiscal do governo vai sendo aprovado com velocidade por ora surpreendente. Ao que parece, a linha de defesa do Real vai sendo até aqui reconstituída.
Não obstante, assim o país escapa por enquanto apenas de uma crise mais aguda. Persistem dúvidas sobre a estratégia de médio prazo, sobre a possibilidade de queda rápida dos juros e da viabilidade da política cambial. O Brasil marca passo no enfrentamento de questões emergenciais; não ataca problemas da estrutura econômica e social. De resto, o sucesso na inversão da crise terá sempre custo imenso, se não perigoso: está se falando da recessão e de seus inevitáveis reflexos sociopolíticos.
Ainda mais angustiante, porém, debelar a crise financeira é uma tarefa cujo sucesso não depende só de esforços internos. Apesar de a tormenta global ter arrefecido, há grande incerteza sobre a saúde das economias norte-americana e japonesa. Abalos no centro mundial da riqueza e do poder podem levar o país novamente à quase asfixia financeira.
Não é um cenário de catástrofe, decerto. Há riscos, mas a perspectiva é mais de dificuldades do que de tragédia. Mas o governo parece hoje sem luz e força para buscar alternativas à possibilidade de a correção da crise se arrastar por dois ou três anos de morosidade econômica e de estagnação social. Resta a esperança de que, amainada a tormenta, o governo encontre energia e coragem para impedir a luta intestina de sua coalizão e ouse dar novo rumo à economia.



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