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Araponga e Cia. Ltda.
ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES
Essa Joaninha é uma peça... Se não
existisse, deveria ser inventada. Sempre me divirto com a sua ironia, que
só é ultrapassada pela sua graça no falar.
No meio do tiroteio de tantas denúncias, calúnias e escândalos da semana que passou, a Joaninha me telefona para conversar sobre os nossos
tempos de escola e para lembrar o
professor Gigovatti, que lecionava
biologia com o entusiasmo de quem
se sentia dono do mundo animal.
A Joaninha é incrível. Ela ainda
guarda todos os cadernos e livros do
velho ginásio. Sem ter o que fazer,
pois está aposentada do magistério há
15 anos, decidiu rever as anotações sobre o ciclo de vida e os hábitos da araponga -essa linda ave que todos conhecem, de bico grande (e guloso),
penas pretas, peito branco, cabeça
marrom e uma espécie de fios de barba que embelezam o seu pescoço.
O traço mais conhecido da araponga
é o seu canto estridente, para não dizer escandaloso, que se parece com o
martelo do ferreiro batendo na bigorna fria.
A última coisa que a araponga faz na
vida é ser discreta. "Low profile" não
é com ela. Onde está, todos a vêem.
Quando canta, todos a ouvem.
Outra característica interessante é a
sua predileção por voar nas alturas. A
araponga não gosta de vôos rasantes e
muito menos de descer ao chão. Costuma pousar no alto das árvores, onde
canta o dia inteiro, para atrair as fêmeas.
Quando uma fêmea se aproxima, o
macho dá um grito ainda mais forte.
Se isso agradar, os dois se transferem
para o "galho de acasalamento" e ali
consumam o ato de amor. É a única
situação em que a araponga se mantém em silêncio.
Terminada a sessão, o macho volta
para o "galho da cantoria", à espera
de outra fêmea, com a qual repetirá o
ritual, se for do agrado de ambos.
Perguntei à Joaninha sobre a razão
da escolha daquele tema, ao que ela
acrescentou com deboche:
"Antonio, as pessoas precisam conhecer os pássaros com os quais convivem. Assim como é desagradável
comer gato por lebre, é perigoso confundir araponga com andorinha."
Para os que trabalham perto de viveiros, disse ela, os ornitólogos recomendam colocar a araponga em separado, pois ela é briguenta e agressiva.
Quando entra na roda, faz muitos estragos.
Para os que se incomodam com os
decibéis, o último pássaro a escolher é
a araponga. A sua conduta é uma sinfonia irritante, e o tema melódico, um
perturbador escândalo.
Para os que precisam de tranquilidade, convém fugir da araponga, pois
ela se assusta à toa e acaba assustando
os outros. Quando foge ou se esconde,
é difícil de ser rastreada.
"O que eu aprendi com o Gigovatti,
caro Antonio, ensinei aos meus alunos. Os que aprenderam a lição defendem-se bem das arapongas. Os que
gostam delas sabem como tratá-las.
Na vida, mais importante do que ter
conhecimentos é ter ética de conduta.
Até a próxima, meu caro amigo."
Antonio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.
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