São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 2002

Próximo Texto | Índice

FÓRMULA ÚNICA

Os críticos das políticas econômicas ultraliberais forjaram a expressão "pensamento único" para descrevê-las. Os protagonistas da futura equipe econômica de Luiz Inácio Lula da Silva reafirmam, a cada pronunciamento, sua adesão a esse receituário, que prima por colocar em primeiro plano as expectativas de curto prazo dos mercados financeiros, em detrimento da produção, do emprego e do investimento.
A nova equipe praticamente declara em uníssono que todas as críticas do PT à doutrina ultraliberal são letra morta. Talvez, como quer o futuro ministro da Fazenda, Antônio Palocci, tudo isso não passe de um momento de "transição". Mas ainda não se sabe o que seria o abandono futuro do "pensamento único".
Ao anunciar uma passagem para um outro modelo, ainda desconhecido, a pretexto de tranquilizar os críticos, o futuro ministro apenas aponta para uma ficção que não contribui para reduzir a incerteza.
Corre o risco de desagradar tanto aos críticos que cobram o modelo alternativo quanto aos conservadores que preferem a manutenção do status quo, sem transição alguma.
Em alguns casos, como na indicação de Henrique Meirelles para o BC, talvez tenha havido uma concessão pragmática à ideologia dominante.
Mas parece desgastada essa reação aos críticos que procura desqualificá-los como "inflacionistas". A defesa da estabilidade de preços não está em questão, mas sim as maneiras de obtê-la de forma sustentável.
A consequência prática dessa fórmula baseada no desemprego, na fragilidade fiscal e na dependência financeira é a concentração de renda.
É hipocrisia falar em políticas sociais sem alterar o mecanismo econômico que produz, incessante e mais rapidamente, desigualdade e exclusão. A política econômica atual promove transferência de renda de setores produtivos para interesses financeiros dentro e fora do país.
Impostos e tarifas são elevados para transferir mais renda de toda a sociedade para o Estado. Mas as taxas de juros elevadas transferem boa parte dessas receitas para os setores financistas credores do Estado.
Como parte expressiva desses credores está no exterior ou são investidores brasileiros com poupança no exterior, a transferência de renda precisa ocorrer em dólar também.
Para ser solvente em dólares, o governo contém o crescimento e gera expressivos saldos comerciais. Mas as reservas no Banco Central continuam baixas, e o país, vulnerável.
O ajuste que produz recessão é do tipo criticado desde os anos 70 pelo professor Carlos Lessa, que estará à frente do BNDES, novamente sujeito ao risco de operar como hospital de empresas ou setores.
Para retomar o desenvolvimento é preciso melhorar a distribuição de renda. Esse foi o lide da democratização, expectativa até hoje frustrada.
Sem formuladores capazes de criar políticas que revertam a concentração de renda, a política econômica do governo Lula parece resignada à mesma fórmula que fragiliza o Estado e a economia do país.


Próximo Texto: Editoriais: BRASIL E VENEZUELA

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.