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TENDÊNCIAS/DEBATES
Guerras inconclusas
CARLOS DE MEIRA MATTOS
A humanidade encerra o ano de
2003 sofrendo angustiantes incertezas na sua sempre renovada esperança de vir a alcançar a paz e a harmonia
entre os povos do planeta.
O cenário mundial destes últimos 20
anos mostra-se profundamente conturbado pelas graves sequelas das guerras
inconclusas -Tchetchênia, Iugoslávia,
Bósnia, Kosovo, Afeganistão, Iraque e
outras menores. Todas prenunciando
inquietantes desdobramentos.
Já se foi o tempo em que a potência
militar vencedora podia desfrutar com
tranquilidade das benesses de sua superioridade bélica. As teorias de guerra
não escaparam à avalanche renovadora
que varre todos os setores da atividade
humana. Nas guerras da atualidade,
mais difícil do que derrotar militarmente o inimigo é a complexa, dura e dispendiosa tarefa de ocupação e pacificação do seu território.
Os especialistas em psicologia coletiva
destacam duas causas principais para
esse fenômeno que se tornou comum, o
da insubordinação, da rebeldia, manifestado por minorias atuantes dos países derrotados no campo militar: o novo poder de mundialização da informação, que alterou profundamente o comportamento das comunidades, e o ressurgimento dos mitos étnicos e religiosos, agora impregnados por fanatismos
extremados.
Os exemplos mais vivos desse fenômeno de rebeldia contra os vencedores,
imposto por grupos guerrilheiros dos
países ocupados, encontramos com
maior evidência, atualmente, na Tchetchênia, no Afeganistão e no Iraque.
O Exército russo derrotou, há cerca de
três anos, o levante separatista da Tche-tchênia, mas até hoje não conseguiu pacificar o país, dominando a guerrilha interna, o que vem custando a Moscou
um preço alto em sacrifícios de vidas,
perdas materiais e dispêndio financeiro.
Os rebeldes tchetchenos levam seus atos
de violência ao interior da própria Rússia e à sua capital, que vive o constante
sobressalto da onda crescente dos atentados terroristas.
A guerra no Afeganistão -primeira
resposta militar aos ataques do 11 de Setembro- teve como objetivo derrotar
o governo do país dominado pela seita
fundamentalista islâmica dos talebans e
considerado "santuário" do líder máximo do terrorismo, Bin Laden. Sua fase
militar foi resolvida em poucas semanas. As Forças Armadas norte-americanas, autorizadas pela ONU, com o apoio
de grupos guerrilheiros locais, derrotaram sem maiores dificuldades as forças
talebans; seu governo se desfez. Apoiado pela maioria das tribos locais, foi elevado a presidente da República o líder
afegão Hamid Karzai.
Já se foi o tempo em que a potência militar vencedora podia desfrutar com tranquilidade das benesses de sua superioridade bélica
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Passados dois anos, o novo governo
de Cabul, apoiado política e militarmente pelos americanos, não conseguiu
restabelecer a ordem no país, que continua devastado por desordens, choques
violentos entre grupos locais e constantes atentados terroristas contra militares americanos e suas instalações.
O Iraque vive neste momento sob o
impacto da captura de Saddam Hussein. As consequências da prisão do ex-ditador quanto ao arrefecimento da virulência dos atentados não podem ainda ser avaliadas. Ali, depois de uma vitória militar fácil das forças da coalizão
Estados Unidos-Inglaterra, a tarefa de
ocupar e pacificar o país vem se agravando dia a dia. As forças da coalizão,
posteriormente favorecidas pela participação da ONU e reforçadas por contingentes poloneses, italianos, espanhóis, japoneses e outros menores, passados oito meses de ocupação, não conseguiram encontrar uma forma de administração e pacificação para o país,
mergulhado na ação terrorista diária
contra os ocupantes estrangeiros.
Além dos atentados contra militares,
instalações e aeronaves norte-americanos e ingleses, que já acumularam um
número de mortos muito superior ao
registrado durante as operações militares, todos os outros ocupantes, aliados
da coalizão, já foram vítimas de ataques
terroristas no território iraquiano e nos
seus próprios países, inclusive a ONU
-quando foi morto o seu chefe de missão, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello.
Diante de um cenário mundial tão desolador, é sempre bom encontrar a palavra confortadora do cientista francês
Jean Claude Ruano-Borbalon, diretor
da revista "Sciences Humaines": "Os
conflitos existem, mas os progressos e
as transformações inovadoras também
estão presentes".
Carlos de Meira Mattos, 90, doutor em ciência
política, general reformado do Exército, é veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro
da Escola Superior de Guerra.
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