São Paulo, quarta-feira, 29 de dezembro de 2004 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES Paradigma de logística
ELIEZER BATISTA
Com todos os esforços de melhoria efetuados na época, não conseguíamos ir além de 28 mil DWT. Naquele período, o maior graneleiro do mundo era o Ore Chef, do Navigan Corp., subsidiária de navegação da US Steel. O sistema não apresentava, assim, confiabilidade. E também não era competitivo para mercados novos, como o japonês, que eram muito distantes. Chegamos a usar navios Liberty para o Japão, mas em caráter experimental, para tratar nosso minério nas usinas japonesas. Dispondo de uma enorme reserva mineral de alta qualidade e com os atributos técnicos da Vitória-Minas consideravelmente melhoradas, a necessidade de romper esse impasse para o crescimento da empresa se tornava um gigantesco desafio. Além disso, já naqueles tempos as necessidades de exportação para a melhoria das contas externas assemelhavam-se à situação do Brasil de hoje, em escala reduzida. Estávamos diante de um enorme problema de logística, aparentemente insolúvel. Ao concentrarmos os estudos para o mercado, deparamos com uma situação parecida no Japão, que lutava para reerguer sua indústria siderúrgica, quase destruída durante a Segunda Guerra. A complementaridade era evidente, a ponto de entusiasmar ambos os lados para somarem forças na resolução do problema. Os estudos demonstraram que a viabilidade da proposição só seria exeqüível para: navios de um "minimum minimorum" de 100 mil DWT. Assim mesmo, com a versatilidade para transportar petróleo do Golfo Pérsico de retorno. E tendo que construir, para receber os potenciais novos grandes graneleiros, três grandes portos no Japão (exigidos pela geografia das usinas japonesas) e um no Brasil (Tubarão); a necessidade de contratos a longo prazo para grandes quantidades (escala) de minério, para a garantia do financiamento; design adequado para esses navios, assim como materiais (aço etc.). Como eles não existiam para essa escala, isso passou a ser um dos grandes obstáculos. Entretanto a motivação era tão forte que conseguimos um esforço conjunto surpreendente. Nenhum estaleiro do Ocidente aceitou o desafio da construção desses navios. Os japoneses o fizeram sob a liderança do famoso dr. Shintao, talvez um dos maiores projetistas de navios até então. O gargalo aqui se deslocou para o financiamento. Ninguém no exterior quis financiar o projeto do nosso porto de Tubarão, pois não acreditavam nele. Então surge a figura do ministro da Fazenda do governo Jango, Santiago Dantas, a quem passamos a dever esse grande salto que veio representar a grande mudança de paradigma de logística de graneleiros do mundo. Como decorrência surgiu o porto de Tubarão, que hoje recebe navios de mais de 300 mil DWT em sua segunda etapa (na primeira, eram navios de 180 mil DWT). Fundou-se a Docenave, apoiada em contrato de longo prazo, em que tinham 40% CIF (a empresa chegou a ser a terceira maior empresa marítima de granéis do mundo). Multiplicaram-se os navios graneleiros-petroleiros, dos quais a Docenave chegou a ter a maior frota mundial. Estendeu-se a escala dos navios dessas categorias para os "tankers", que chegaram até 500 mil DWT. Surgiram navios como o Bergstahl, de 380 mil DWT, que faz o percurso Ponta da Madeira (Maranhão e Roterdã) em "shuttle service", com custos baixíssimos. O conceito estendeu-se para outras partes do mundo, como Roterdã, Bakar, Toronto etc., com muita rapidez. Surgiram, é claro, limites para a escala, sobretudo em relação aos portos. Há um número limitado de portos para acesso a grandes navios. As siderúrgicas deslocaram-se para a costa. E a produtividade do transporte de minério de ferro multiplicou-se por cem vezes, se compararmos um Liberty com o Bergstahl, por exemplo. Os novos portos passaram a ser utilizados simultaneamente por grãos, a exemplo do caso da soja. E abriram-se novas perspectivas, para nichos específicos, de cargas combinadas com grande êxito nos custos de logística marítima. Eliezer Batista da Silva, 80, engenheiro, é consultor da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro). Foi presidente da Companhia Vale do Rio Doce (1961-64 e 1979-86), ministro das Minas e Energia (governo João Goulart) e secretário de Assuntos Estratégicos (governo Collor). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Roberto Romano: Segredos e cumplicidade pública Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha. |