|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Crime na Amazônia
SAULO RAMOS
Impressionante é o teatro armado pelo governo federal para fingir estar escandalizado com o crime do qual é co-autor declarado
DE REPENTE, não mais que de
repente, como diria Vinicius, o
governo federal se escandaliza
com o desmatamento da Amazônia.
O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) informou que, entre
outubro e novembro de 2007, foram
desmatados 3.235 km2. Não é verdade. A coisa foi muito pior. Conforme
esta Folha publicou, a estimativa da
derrubada real das matas amazônicas
atingiu 7.000 km2 durante aqueles
dois meses.
Impressionante é o teatro armado
pelo governo federal para fingir estar
escandalizado com o crime quando
ele mesmo o permitiu, é co-autor declarado, na exata definição jurídica da
co-autoria, que consiste em concorrer de qualquer modo para o evento
delituoso.
Houve reunião de emergência no
Planalto para tratar da matéria. A ministra do Meio Ambiente, sempre
quietinha, humilde, ostentando expressão de colegial inocente que repetiu de ano, resolveu dizer que o crime está sendo praticado pelos plantadores de soja e pelos pecuaristas.
O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, protestou, declarando que não houve aumento na
área de produção de soja no país.
Paralelamente, o ministro da Previdência, Luiz Marinho, passou a garantir cobertura previdenciária a invasores de terra que estejam trabalhando em área invadida, incluindo
terras públicas. Eles podem usar o
tempo de atividade rural para se aposentarem. A genial construção jurídica é válida para quem trabalhar nas
áreas criminosamente desmatadas.
Representam um teatrinho de
brinquedo esperando que o povo fique entre um argumento e outro.
Ninguém tentou explicar o que
ocorre com as árvores imensas da floresta derrubada. Há necessidade de
arrastá-las com enormes tratores para grandes serrarias, cortá-las em toras e transportá-las em possantes caminhões, que terão de trafegar pelas
estradas até a entrega às madeireiras.
Para esse transporte, a preciosa
mercadoria tem que ser acompanhada pelo DOF (Documento de Origem
Florestal, que substituiu a antiga
ATPF, Autorização de Transporte de
Produtos Florestais). Quem emite o
DOF? O Ibama. Logo, um único pedaço de pau, um galho quebrado, uma
árvore destroçada, nada pode ser
transportado sem o documento expedido pelo Ibama, isto é, sem a autorização do governo. Salvo no caso de
quebra-galhos. Aí existem muitos.
A fiscalização diz não ter funcionários suficientes. Prepara a opinião
pública para aprovar mais empregos.
Os governos Sarney e Collor conseguiram baixar o desmatamento para
11,1 mil quilômetros quadrados por
ano, o que ainda acho um absurdo.
Em 1994/1995 o desmatamento disparou para 29,1 mil quilômetros quadrados. No primeiro ano de Lula
(2003/2004), firmou-se em 27,2 mil
quilômetros quadrados e por aí ficou.
Parece que já são 160 mil quilômetros quadrados no total, o que foi festejado pelos ministros atuais como
suficientes para a pecuária e para a
agricultura.
Vai parar por aí? Claro que não.
Primeiro, permitiram-se a devastação e o enriquecimento de centenas
de madeireiros e seus indefectíveis
companheiros de aventuras na matança das matas.
Agora, promete-se punição rigorosa, a qual começa, segundo a ministra
Marina Silva, com uma espécie de
moratória de ópera-bufa, isto é, os
devastadores devem espontaneamente cessar o desmatamento.
Todos os fazendeiros serão cadastrados e punidos no futuro se desmatarem além do permitido. Logo, ainda
haverá permissão para desmatar. Serão punidos igualmente os que comprarem produtos das áreas ilegalmente desmatadas, isto é, soja, gado.
Em madeira ninguém falou. E não
falará. Quem são os compradores da
madeira? Como essa inescondível
mercadoria chega aos portos ou aos
centros industriais?
Eu já escrevi tudo isso no livro "Código da Vida". Podem conferir (capítulos 72 e 73). Com esse comércio ilegal de madeira, em tamanho volume,
observei ser impossível o presidente
da República não saber de nada. Tanto mais quando lemos nesta Folha:
"Governistas controlam maioria das
cidades que desmatam mais".
Lula disse agora que se reunirá com
os governadores dos Estados envolvidos para se inteirar da situação. Se tivesse lido meu livro, já saberia, pois lá
publiquei, em maio de 2007: "Vinte e
sete mil quilômetros quadrados de
mata derrubada é muito chão. O comércio de tanta madeira somente pode ser efetivado com a conivência dos
governos estaduais e federal. Ou
não?". Lula não leu. Lula não gosta de
ler. E, de todas as acusações graves,
tem um jeito só de se defender: "Eu
não sabia".
SAULO RAMOS, 78, é advogado. Foi consultor-geral da
República e ministro da Justiça (governo Sarney). É autor
do livro "Código da Vida".
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Antonio Negri e Giuseppe Cocco: Bolívia: a multidão constituinte
Índice
|