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Um juiz
ARIANO SUASSUNA
Na década de 80, encabeçado por
dois generais do nosso Exército -Euler Bentes de Almeida e Antônio Carlos de Andrada Serpa-, lançou-se o
manifesto "Em Defesa da Nação
Ameaçada". Assinei-o com orgulho e
alegria. E assinou-o também, comigo,
o professor Fernando Henrique Cardoso.
Passou-se o tempo. Fernando Collor
foi eleito presidente e levou adiante,
com força maior, o projeto de entrega
do nosso país -projeto contra o qual
aquele manifesto se pronunciava.
Veio o movimento destinado a derrubar Collor, e novamente vi Fernando
Henrique Cardoso ao nosso lado. Só
depois é que, decepcionados e perplexos, iríamos descobrir que nosso antigo companheiro de luta, filho e sobrinho de generais nacionalistas, queria
ver Collor fora do poder, mas não desejava que sua política entreguista fosse abolida. Pelo contrário: quando,
por sua vez, chegou à Presidência,
ampliou e aprofundou aquela política
com uma habilidade e uma eficácia
com as quais Collor jamais poderia sequer sonhar.
Além disso, sempre seguindo a linha
do governo Collor e dos setores antinacionais do regime militar, Fernando Henrique Cardoso começou a destruir sistematicamente a herança nacionalista e trabalhista de Getúlio Vargas (que, diga-se de passagem, foi expulso do poder pelo que tinha de
bom, e não de ruim). De modo que,
atualmente, triste e preocupado, vejo
que Fernando Henrique Cardoso está
conseguindo criar, no Brasil, um ambiente no qual o nacionalismo e até o
simples e comum patriotismo foram
transformados em objeto de escárnio,
em palavras malditas e proibidas.
Para mim, não. Para mim, que sou
seguidor do Cristo, e não devoto da
sociedade de consumo, "nacionalismo é patriotismo em ato de defender-se"; é uma bandeira que pode e
deve ser empunhada enquanto continuar a iníqua exploração dos povos
pobres pelos ricos; assim como acontece com o socialismo, enquanto durar, dentro de cada país, a vergonhosa
exploração das classes desfavorecidas
pelas poderosas.
Entretanto, na semana passada, ouvi, no Recife, um discurso do juiz
Ubaldo Ataíde Cavalcante, membro
do Tribunal Federal da Quinta Região,
discurso que me trouxe esperança e
alento. Disse ele que, na situação do
Brasil, "não é só a falência de caráter
que preocupa. Preocupa, também, a
falta de nacionalismo, traduzida no
sucateamento das nossas empresas e
na exagerada privatização dos serviços públicos essenciais, implicando,
mais das vezes, suas respectivas transferências para grandes grupos internacionais e, em consequência, na
transferência de parte da nossa soberania nacional. Preocupa a falta de
amor ao próximo nos corações de
nossos administradores, indiferentes
à pobreza e à miséria. Preocupa a insensibilidade, quando se procuram
soluções para amenizar as crises que
nos atingem sob a ótica exclusivamente econômica".
O discurso vai por aí e só não o
transcrevo todo porque não posso. O
que sei é que, se fosse o presidente, eu
observaria que quem aí fala não é um
mero escritor, um demagogo ou um
político de oposição: é um juiz, modesto e sereno, mas orgulhoso de sua
toga e de sua condição de brasileiro.
Por isso eu mandaria buscar o discurso de Ubaldo Cavalcante e o leria cuidadosamente para, fazendo um exame de consciência, decidir qual a imagem minha que eu queria que passasse à história -a atual ou a do patriota
que, em outros tempos, assinava o
manifesto em defesa do nosso país e
do nosso povo.
Ariano Suassuna escreve às terças-feiras nesta coluna.
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