São Paulo, quarta-feira, 30 de abril de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A esquerda que fuzila
DEMÉTRIO MAGNOLI
Na sua célere marcha rumo ao centro, o comboio do PT deixa cair bagagem à sua esquerda. Essa bagagem se reuniu no jornal "Brasil de Fato", dirigido por líderes do MST e do grupo Consulta Popular. Na sua última edição, esse jornal dá uma chamada de capa para a entrevista de um deputado cubano justificando os fuzilamentos e condenações e, na seção de debates, publica lado a lado um belo artigo de repúdio à repressão, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, e um texto pusilânime de solidariedade a Fidel, de Emir Sader, integrante do conselho político da publicação. A posição do jornal está, é claro, na capa. A fresta aberta a Galeano destina-se a não deixar cair bagagem preciosa, embora mesmo isso seja mais do que fez o PT. Algumas figuras carimbadas da esquerda brasileira regozijaram-se, fascinadas, diante dos atentados terroristas de 11 de setembro. Essas figuras, e muitas outras, agora batem continência para os fuziladores cubanos. Politicamente primitivos, raciocinam a partir de um silogismo infantil: o apoio aos inimigos do meu inimigo. Não se dão conta de que Bush precisou de Bin Laden para legitimar e sustentar a sua doutrina neo-imperial. Não percebem que o embargo americano e a repressão política cubana se realimentam mutuamente. Eles nem sequer observaram que Cuba "justificou" os fuzilamentos com o discurso emprestado de Bush: os sequestradores eram "terroristas" e os dissidentes ameaçam a "segurança do Estado". O primitivismo político é apenas a superfície. O novo fascínio pelo terror e o velho fascínio pelo totalitarismo têm raízes fundas, na ruptura da esquerda marxista com a democracia. O divórcio consumou-se pouco depois da tomada do poder pelos bolcheviques na Rússia e foi denunciado por uma revolucionária marxista, Rosa Luxemburgo. No seu ensaio de 1918 sobre a Revolução Russa está a condenação definitiva do totalitarismo: "Liberdade somente para os partidários do governo, para os membros de um partido, por numerosos que sejam, não é liberdade. Liberdade é sempre a liberdade daquele que pensa de modo diferente. Não por fanatismo da "justiça", mas porque tudo quanto há de instrutivo, de salutar e purificante na liberdade política se prende a isto e perde sua eficácia quando a "liberdade" se torna um privilégio". Rosa morreu, Stálin venceu e a esquerda marxista se tornou stalinista. Essa esquerda, apagando os vestígios do seu passado, qualificou a liberdade como "burguesa" e, no poder, ergueu os muros do privilégio. Como hoje se sabe, foi assim que ela desmoralizou a bandeira da igualdade e, no fim, desmoralizou a si própria. Mas não aprendeu nada e continua, pela boca de Genoino ou de Emir Sader, a repetir incansavelmente o monólogo do totalitarismo. Lula, que é amigo pessoal de Fidel, perde a oportunidade de ir a Havana, repudiar os fuzilamentos e pedir a liberdade para os presos de consciência. De lá, poderia ir a Washington e pedir o fim do embargo a Cuba. Provavelmente não seria atendido por nenhum dos dois presidentes, mas defenderia princípios preciosos e credenciaria a política externa brasileira a representar o papel que ela reivindica na cena mundial. Lula parece preferir a cumplicidade com o totalitarismo. Será lembrado disso na próxima vez que tentar erguer a voz contra a política neo-imperial de Washington. Demétrio Magnoli, 44, é doutor em geografia humana pela USP e editor do jornal "Mundo Geografia e Política Internacional". Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Âmbar de Barros, Armand Pereira, Helio Mattar: Dentro de casa e dentro da lei Índice |
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