São Paulo, sexta-feira, 30 de abril de 2010

Próximo Texto | Índice

Editoriais

editoriais@uol.com.br

Fato isolado

Morte de um motoboy em São Paulo revela prática sistemática de tortura em um quartel da Polícia Militar

FOI TORTURA , declarou o secretário de Estado da Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, diante da morte de um motoboy de 30 anos, na zona norte de São Paulo. Teve o mérito, nem sempre comum nas autoridades, de dar às coisas o seu devido nome.
No dia 9 de abril, Eduardo Luís Pinheiro dos Santos, de 30 anos, discutia com três pessoas: a bicicleta do seu filho tinha sido furtada. Aparece a polícia; leva os envolvidos a um quartel -e não à delegacia. Eduardo Luís estava exaltado; teria tentado agredir um dos PMs.
Poucas horas depois, seu corpo foi encontrado atrás de uma banca de jornais, com hematomas e traumatismo craniano. A família somente o localizou cinco dias depois, no IML.
Providências foram tomadas. Nove policiais militares foram presos, na semana passada, por terem participado do episódio. O comandante-geral da PM, coronel Álvaro Batista Camilo, escreveu uma carta à mãe da vítima, pedindo desculpas pelo crime.
"É um fato isolado, e não admitimos esse tipo de situação na nossa instituição", afirmou também um major da PM, numa entrevista à televisão.
Mas não foi, a bem dizer, um fato isolado. No mesmo quartel, em outubro do ano passado, um office boy e um ajudante geral, suspeitos de tráfico de drogas, sofreram espancamento.
Há duas semanas, um comerciante envolveu-se numa briga de trânsito, na mesma região. Estava, como nos casos anteriores, exaltado. A polícia interveio do mesmo modo. Algemou-o e conduziu-o novamente, não à delegacia conforme exige a lei, mas ao quartel vizinho -que parece afinal ter funcionado, nos últimos meses, como um centro clandestino de tortura.
Imobilizada, a vítima sofreu socos e chutes; foi arremessada contra uma grade, e teve uma pistola apontada contra sua cabeça. "Você vai morrer agora", teria dito um dos policiais responsáveis pela agressão. Sobreviveu, entretanto.
As evidências são de que a prática da tortura institucionalizara-se entre policiais daquele quartel. Não teria, talvez, motivado grande escândalo não fosse a tragédia do motoboy.
Reveladas as circunstâncias daquilo que, nos tempos da repressão militar, os mais cínicos chamavam de "acidente de trabalho", vieram à tona outros casos de agressão.
Dificilmente alguém haverá de considerar que constituem acontecimentos isolados, na polícia de São Paulo ou de qualquer outro Estado do país.
Fato raro, na verdade, é que, sem temer represálias, cidadãos se prontifiquem a denunciar a violência policial, e tenham nas autoridades confiança para esperar delas as providências legais -e as reparações- devidas.


Próximo Texto: Editoriais: Gente suspeita

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.