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Fato isolado
Morte de um motoboy em São Paulo revela prática sistemática de tortura em um quartel
da Polícia Militar
FOI TORTURA , declarou o secretário de Estado da Segurança Pública, Antonio
Ferreira Pinto, diante da
morte de um motoboy de 30
anos, na zona norte de São Paulo.
Teve o mérito, nem sempre comum nas autoridades, de dar às
coisas o seu devido nome.
No dia 9 de abril, Eduardo Luís
Pinheiro dos Santos, de 30 anos,
discutia com três pessoas: a bicicleta do seu filho tinha sido furtada. Aparece a polícia; leva os
envolvidos a um quartel -e não à
delegacia. Eduardo Luís estava
exaltado; teria tentado agredir
um dos PMs.
Poucas horas depois, seu corpo
foi encontrado atrás de uma banca de jornais, com hematomas e
traumatismo craniano. A família
somente o localizou cinco dias
depois, no IML.
Providências foram tomadas.
Nove policiais militares foram
presos, na semana passada, por
terem participado do episódio. O
comandante-geral da PM, coronel Álvaro Batista Camilo, escreveu uma carta à mãe da vítima,
pedindo desculpas pelo crime.
"É um fato isolado, e não admitimos esse tipo de situação na
nossa instituição", afirmou também um major da PM, numa entrevista à televisão.
Mas não foi, a bem dizer, um
fato isolado. No mesmo quartel,
em outubro do ano passado, um
office boy e um ajudante geral,
suspeitos de tráfico de drogas,
sofreram espancamento.
Há duas semanas, um comerciante envolveu-se numa briga
de trânsito, na mesma região. Estava, como nos casos anteriores,
exaltado. A polícia interveio do
mesmo modo. Algemou-o e conduziu-o novamente, não à delegacia conforme exige a lei, mas
ao quartel vizinho -que parece
afinal ter funcionado, nos últimos meses, como um centro
clandestino de tortura.
Imobilizada, a vítima sofreu
socos e chutes; foi arremessada
contra uma grade, e teve uma
pistola apontada contra sua cabeça. "Você vai morrer agora",
teria dito um dos policiais responsáveis pela agressão. Sobreviveu, entretanto.
As evidências são de que a prática da tortura institucionalizara-se entre policiais daquele
quartel. Não teria, talvez, motivado grande escândalo não fosse
a tragédia do motoboy.
Reveladas as circunstâncias
daquilo que, nos tempos da repressão militar, os mais cínicos
chamavam de "acidente de trabalho", vieram à tona outros casos de agressão.
Dificilmente alguém haverá de
considerar que constituem
acontecimentos isolados, na polícia de São Paulo ou de qualquer
outro Estado do país.
Fato raro, na verdade, é que,
sem temer represálias, cidadãos
se prontifiquem a denunciar a
violência policial, e tenham nas
autoridades confiança para esperar delas as providências legais -e as reparações- devidas.
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