São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Pessimismo não, muita meditação

Segundo o noticiário da imprensa, a questão nuclear não estava na agenda da missão brasileira que visitou a China na semana finda. Mas certamente era item de alta prioridade na agenda dos anfitriões.
Sim, porque a China tem problemas sérios na área energética. Está aí um dos principais fatores que levaram o país a programar uma redução do espantoso crescimento econômico de 9,7% estimado para este ano. Não há energia para a China continuar nesse ritmo. Basta dizer que o velho carvão responde por mais de 75% da matriz energética do país. A água garante míseros 4% da energia consumida, e a energia nuclear está apenas começando, mas é a única alternativa. Tanto que o governo está implementando um agressivo programa de construção de 11 usinas nucleares -quatro já estão em andamento. Para tanto, vai precisar de urânio, de que o Brasil é detentor de reservas razoáveis.
Ora, os chineses não iriam deixar passar a oportunidade de propor aos brasileiros algum tipo de acordo nesse campo, mesmo sabendo que o Brasil sempre teve uma política explícita de não exportar urânio devido ao perigo que isso representa para o enfraquecimento das reservas de quem vende e para o fortalecimento bélico de quem compra.
São poucos os países que têm condições de fazer o enriquecimento do urânio, de chegar ao plutônio e de construir bombas atômicas. A China é um deles.
Por mais que um país venha a aderir ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, nunca se terá certeza de qual será o seu comportamento em momentos de crise. A China não só possui bombas atômicas como foi a responsável pela instalação da capacidade nuclear do Paquistão, que também possui várias versões do poderoso armamento. E, na vizinhança, a Índia é outro país que dispõe igualmente de artefatos nucleares de grande potência. Seria nesse ambiente que iria cair o urânio brasileiro?
Vi inúmeras autoridades brasileiras endossando o acordo preliminar, alegando que será bom para o Brasil contar com a China para enriquecer o urânio, pois essa tecnologia está longe do nosso alcance e valeria muito para operar as usinas nucleares brasileiras, resolvendo nossos próprios problemas energéticos. É um argumento razoável e que faz sentido do ponto de vista econômico e de curto prazo.
Mas, em matéria nuclear, a última coisa a fazer é pensar a curto prazo e estritamente no campo econômico. As implicações para a paz não podem ficar de fora das considerações antes que se tome uma decisão de tamanha responsabilidade.
Não seria melhor intensificarmos no Brasil os esforços de pesquisa e de desenvolvimento para chegarmos à escala industrial no enriquecimento de urânio? Afinal, temos físicos competentes que já conhecem profundamente a matéria. Isso nos daria autonomia sem abrir mão de nossas reservas e sem colocar um produto perigoso nas mãos de estranhos que, um dia, podem colocar em risco a própria paz.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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