|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
A diplomacia brasileira tem agido mal nas
indicações de nomes para órgãos internacionais?
SIM
O papel de cada um
ROBERTO ABDENUR
A QUESTÃO das fracassadas candidaturas brasileiras a organismos internacionais deve ser
compreendida à luz do contexto mais
amplo de nossa atual política externa.
Uma diretriz tradicional de nossa
política tem sido o esforço por colocar
o país no centro dos processos decisórios internacionais. O maior objetivo
nesse sentido é a candidatura a assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Cedo ou tarde lá chegaremos, até por força do fato de que
mais e mais vamos nos tornando atores indispensáveis no equacionamento de múltiplas questões globais: a crise econômica, as negociações comerciais, a problemática ambiental e de
mudança climática, a segurança energética e alimentar, a ajuda à África.
Embora mais distantes dos graves
problemas que neste momento trazem graves ameaças à paz no Oriente
Médio, na Ásia Central e Oriental ou
dos riscos do terrorismo e proliferação nuclear, temos créditos e autoridade para contribuirmos, em alguma
medida, também para a superação de
tais problemas. Nossa atuação externa hoje ganha força e credibilidade
porque, graças a 15 anos de continuidade nas políticas de desenvolvimento, gozamos de inédito quadro de solidez e estabilidade na economia.
Esse conjunto de fatores favoráveis
requereria visão estratégica ampla e
articulada e criteriosa seleção dos objetivos a perseguir, dos rumos a tomar
e dos riscos a que se expor. O erro que
vem sendo cometido é o do excesso de
protagonismo e da falta de objetividade e comedimento nos passos a tomar. Falta noção de prioridades. Estamos, como se diz, a atirar em todas
as direções ao mesmo tempo.
Suscita perplexidade que em alguns casos se tenham apresentado
candidatos em situações nas quais era
claramente descabida e inviável a
eleição de um brasileiro.
Não era realista, por exemplo, aspirar à direção da OMC ao mesmo tempo em que (e com boas razões) polarizávamos as negociações comerciais
com a formação do G20 para o combate aos subsídios agrícolas aplicados
pelos EUA, pela União Europeia e por
outros. Era, do mesmo modo, agora
óbvio que um brasileiro não seria escolhido como árbitro das disputas comerciais na OMC em vaga que fora
imediatamente antes ocupada, durante oito anos, por outro brasileiro.
Inversamente, cometeu-se o erro
de apoiar um indesejável candidato
egípcio em vez de um natural e bem
situado candidato brasileiro à direção
da Unesco -organismo cujas atribuições refletem com nitidez as visões,
valores e aspirações brasileiras sobre
questões de especial significado para
os desafios da globalização e das tensões interculturais hoje presentes
mundo afora.
Evidencia isso tudo que falta percepção dos desgastes a que nos expõe
o excesso de ambições, em particular
a nossos vizinhos. Os responsáveis
por nossa diplomacia parecem não
perceber o quanto nossa autoatribuída liderança na formação de um "bloco" sul-americano nos está custando
em termos de ressentimentos antibrasileiros na região.
Ao Itamaraty cabe por vezes o dever de alertar outros setores do governo -e até a chefia suprema da nação- para a inconveniência ou mesmo inviabilidade de determinados
projetos. Cumpre-lhe ter em mente
que jogada aventureira em um cenário incerto e desfavorável pode prejudicar interesses efetivamente relevantes em outro foro ou tema.
Cabe-lhe mesmo, em certas complexas e delicadas situações, procurar
evitar que o chefe de governo se exponha ao desconforto e constrangimento de aparecer como negociador,
quando a função de negociar incumbe
precipuamente aos diplomatas, funcionários e ministros de Estado.
Presidentes têm o fundamental papel de de gerar ambiente favorável a
entendimentos, delinear caminhos,
acentuar convergências e minimizar
atritos. Têm, claro está, a responsabilidade última de tomar decisões e selar acertos com outras nações. O diálogo é seu veículo. Não a negociação
propriamente dita, e menos ainda
quando expostos às câmeras da imprensa e aos holofotes da TV. Precisa
o Itamaraty, ao fim e ao cabo, ser às
vezes capaz de simplesmente dizer
"não" a seus próprios superiores.
ROBERTO ABDENUR, 67, diplomata de carreira aposentado, foi embaixador do Brasil no Equador (1985-1988), na
China (1989-1993) e nos EUA (2004-2006), entre outros
países, além de secretário-geral do Itamaraty (1993-1994). É membro do Cebri (Centro Brasileiro de Relações
Internacionais).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: José Flávio Sombra Saraiva: A difícil gestão das ambições
Índice
|