São Paulo, sábado, 30 de maio de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A diplomacia brasileira tem agido mal nas indicações de nomes para órgãos internacionais?

SIM

O papel de cada um

ROBERTO ABDENUR

A QUESTÃO das fracassadas candidaturas brasileiras a organismos internacionais deve ser compreendida à luz do contexto mais amplo de nossa atual política externa.
Uma diretriz tradicional de nossa política tem sido o esforço por colocar o país no centro dos processos decisórios internacionais. O maior objetivo nesse sentido é a candidatura a assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Cedo ou tarde lá chegaremos, até por força do fato de que mais e mais vamos nos tornando atores indispensáveis no equacionamento de múltiplas questões globais: a crise econômica, as negociações comerciais, a problemática ambiental e de mudança climática, a segurança energética e alimentar, a ajuda à África.
Embora mais distantes dos graves problemas que neste momento trazem graves ameaças à paz no Oriente Médio, na Ásia Central e Oriental ou dos riscos do terrorismo e proliferação nuclear, temos créditos e autoridade para contribuirmos, em alguma medida, também para a superação de tais problemas. Nossa atuação externa hoje ganha força e credibilidade porque, graças a 15 anos de continuidade nas políticas de desenvolvimento, gozamos de inédito quadro de solidez e estabilidade na economia.
Esse conjunto de fatores favoráveis requereria visão estratégica ampla e articulada e criteriosa seleção dos objetivos a perseguir, dos rumos a tomar e dos riscos a que se expor. O erro que vem sendo cometido é o do excesso de protagonismo e da falta de objetividade e comedimento nos passos a tomar. Falta noção de prioridades. Estamos, como se diz, a atirar em todas as direções ao mesmo tempo.
Suscita perplexidade que em alguns casos se tenham apresentado candidatos em situações nas quais era claramente descabida e inviável a eleição de um brasileiro. Não era realista, por exemplo, aspirar à direção da OMC ao mesmo tempo em que (e com boas razões) polarizávamos as negociações comerciais com a formação do G20 para o combate aos subsídios agrícolas aplicados pelos EUA, pela União Europeia e por outros. Era, do mesmo modo, agora óbvio que um brasileiro não seria escolhido como árbitro das disputas comerciais na OMC em vaga que fora imediatamente antes ocupada, durante oito anos, por outro brasileiro.
Inversamente, cometeu-se o erro de apoiar um indesejável candidato egípcio em vez de um natural e bem situado candidato brasileiro à direção da Unesco -organismo cujas atribuições refletem com nitidez as visões, valores e aspirações brasileiras sobre questões de especial significado para os desafios da globalização e das tensões interculturais hoje presentes mundo afora.
Evidencia isso tudo que falta percepção dos desgastes a que nos expõe o excesso de ambições, em particular a nossos vizinhos. Os responsáveis por nossa diplomacia parecem não perceber o quanto nossa autoatribuída liderança na formação de um "bloco" sul-americano nos está custando em termos de ressentimentos antibrasileiros na região.
Ao Itamaraty cabe por vezes o dever de alertar outros setores do governo -e até a chefia suprema da nação- para a inconveniência ou mesmo inviabilidade de determinados projetos. Cumpre-lhe ter em mente que jogada aventureira em um cenário incerto e desfavorável pode prejudicar interesses efetivamente relevantes em outro foro ou tema. Cabe-lhe mesmo, em certas complexas e delicadas situações, procurar evitar que o chefe de governo se exponha ao desconforto e constrangimento de aparecer como negociador, quando a função de negociar incumbe precipuamente aos diplomatas, funcionários e ministros de Estado.
Presidentes têm o fundamental papel de de gerar ambiente favorável a entendimentos, delinear caminhos, acentuar convergências e minimizar atritos. Têm, claro está, a responsabilidade última de tomar decisões e selar acertos com outras nações. O diálogo é seu veículo. Não a negociação propriamente dita, e menos ainda quando expostos às câmeras da imprensa e aos holofotes da TV. Precisa o Itamaraty, ao fim e ao cabo, ser às vezes capaz de simplesmente dizer "não" a seus próprios superiores.

ROBERTO ABDENUR, 67, diplomata de carreira aposentado, foi embaixador do Brasil no Equador (1985-1988), na China (1989-1993) e nos EUA (2004-2006), entre outros países, além de secretário-geral do Itamaraty (1993-1994). É membro do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).


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