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TENDÊNCIAS/DEBATES
Fome Zero e crime zero
FREI BETTO e ALI MAZLOUM
Crime não é monopólio de pobre.
Pessoas endinheiradas também figuram nas estatísticas da crescente criminalidade que aflige o país. Alguns ingressam no mundo do crime por falta
de oportunidades, sobretudo de educação e trabalho. Outros, pelo excesso de
oportunidades que a vida lhes oferece.
De um lado, a pobreza; de outro, a ganância. A miséria, no entanto, tem sido
a grande responsável pela fácil cooptação de nossas crianças e jovens por associações criminosas.
A ciência criminal sempre esteve às
voltas com essa intrincada questão: como submeter o criminoso a uma punição que corresponda, em gravidade, ao
dano por ele causado?
Há quem acredite que a prisão é a universal panacéia para todos os males.
Constata-se, porém, que a segregação
nem sempre cumpre sua finalidade social. Em tese, a prisão deveria evitar novas práticas delitivas, intimidando o infrator e a sociedade e recuperando
aquele que transgrediu a lei. Devido à
falência de nosso sistema prisional, somada à enorme desigualdade social (os
10% mais abastados são 70 vezes mais
ricos que os 10% mais pobres), a dupla
função da pena é meramente teórica.
O direito penal moderno defende a segregação do infrator apenas em situações de extrema gravidade. Pesquisas
criminológicas demonstram que a privação da liberdade não recupera necessariamente o criminoso. A aplicação de
penas alternativas tem surtido melhores
efeitos. Na legislação brasileira, entre as
penas restritivas de direitos, previstas
no artigo 43 do Código Penal, destaca-se a prestação pecuniária.
Penas alternativas também desempenham funções retributiva e preventiva
de uma reprimenda penal. E podem ser
utilizadas como meios para cumprir
exigências constitucionais, como a erradicação da pobreza e da marginalização
(art.3º, inciso III, da Constituição Federal). Portanto compete aos poderes
constituídos a adoção de políticas públicas afinadas com esse primado constitucional.
Penas restritivas de direitos, em especial a prestação pecuniária, devem ser
adotadas para ressocializar o infrator e,
ao mesmo tempo, combater a pobreza.
Essa alternativa, adotada nos últimos
três meses pela 7ª Vara Criminal de São
Paulo, demonstra que, no país, pelo menos R$ 100 milhões podem ser arrecadados por ano para o combate à fome.
Penas restritivas de direitos, em especial a prestação pecuniária, devem ser adotadas para combater a pobreza
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Esse mecanismo poderia ser instituído, por via legislativa ordinária, para
crimes de menor poder ofensivo, tornando obrigatória a sua aplicação em
todos os municípios brasileiros. Hoje,
para "crimes de pequena gravidade"
cuja pena máxima não ultrapasse um
ano, o Ministério Público, de acordo
com o art. 76 da lei 9.099/95, propõe a
aplicação imediata de pena restritiva de
direitos ou multas. Caso aceita a proposta pelo acusado, o juiz aplica a pena
restritiva cabível. Assim, o processo não
é iniciado.
Para "crimes de gravidade média" cuja pena mínima não seja inferior a um
ano, a mesma lei estabelece, em seu artigo 89, a possibilidade de suspensão do
processo por dois a quatro anos, mediante certas condições. Verifica-se que,
para delitos mais leves, aplica-se pena
restritiva de direitos (art. 76); para delitos mais graves, são mais brandas as
condições de suspensão do processo
(art. 89).
Para acabar com a incoerência da lei e
dispensar um tratamento mais adequado à natureza dos delitos em questão,
propomos a alteração do inciso II do artigo 89 -"proibição de frequentar determinados lugares" (inócua, por falta
de fiscalização)-, cuja redação seria:
prestação pecuniária, consistente em
pagamento em dinheiro, a ser fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo, nem superior a 500 salários mínimos, ao Fundo de Erradicação da Pobreza.
É bom lembrar que o combate à criminalidade e à fome é dever imposto
aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Um trabalho efetivo depende,
no entanto, do apoio de toda a sociedade. Cada qual fazendo a sua parte.
Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, 58, frade dominicano e escritor, é assessor especial da Presidência da República e coordenador do setor de Mobilização Social do Programa Fome Zero. É autor de "Hotel Brasil" (Ática), entre outros livros. Ali Mazloum, 43, especialista em
direito penal pela UnB, é juiz federal da 7ª Vara
Criminal de São Paulo e professor de direito
constitucional nas Faculdades Integradas de
Guarulhos.
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