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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Durval, o cansado
SÃO PAULO - Durval nunca gostou de passeatas, manifestações públicas, pessoas reunidas na rua. Coisa de baderneiros, gente desocupada, tudo safado -esbraveja. Durval
trabalha próximo da cracolândia,
região que já foi chique, na franja do
centro da cidade. Compra e revende
carros usados na chamada "boca".
Batalha duro desde pequeno. A vida
o arrancou da escola cedo.
Como tudo está pela hora da
morte, Durval também arruma o
seu por fora. Abriu um desmanche
no fundo de uma garagem. Lugarzinho discreto, negócio modesto. A
mesada da polícia é que anda salgada. O que sobra ajuda a pagar a faculdade da Ivonete, a filha mais velha, sua princesa. Ainda se forma
em enfermagem -se Deus quiser.
Durval detesta gente que se junta
para protestar -coisa de comunista
safado-, mas desta vez ficou atraído pela nova campanha: "Cansei".
Taí, pensou. Identificação imediata. É verdade que não entendeu
muito o nome oficial da coisa: Movimento Cívico pelo Direito dos
Brasileiros. Esse negócio de "cívico" não é com ele. Parece palavrão
de doutor. Mas o slogan fisgou Durval: "Cansei" -repetia alto na sua
cabeça, reconfortado. Quem foi o
gênio? -matutou.
Gostou mais ainda quando ouviu
um dos bacanas: "Temos de nos defender. Se não garantirmos o nosso,
quem vai garantir?". Durval concordou com o diretor do Comitê de
Jovens Executivos da Fiesp, Sergio
Morrison. Ficou tentado a seguir a
passeata que foi ontem do Ibirapuera a Congonhas. Mas teve receio
de ser reconhecido pelo governo.
Um dos slogans diz: "Cansei de pagar tantos impostos" -e Durval, em
falta com a Receita, achou mais
prudente não sair de casa.
Identificou o líder do movimento, João Dória Jr. Domingo à noite,
costuma assistir ao "Mesa Redonda" na TV Gazeta. Quando muda de
canal, lá está ele, aquela pinta de rico, todo engomado, sempre com alguma loira do lado, sempre falando
de dinheiro. Se até esse cara cansou,
pensou Durval, coitado de mim. E
foi dormir, mais aliviado.
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