São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 2008

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Editoriais

O déficit e o desafio

Para evitar que o país pague um preço alto pela turbulência externa, governos deveriam congelar seus gastos

O DÉFICIT nas transações financeiras entre o Brasil e o restante do mundo cresce por razões que estão longe de ser catastróficas. O principal motivo é o fato, raro nas últimas décadas, de a atividade econômica no Brasil estar se expandido acima do ritmo internacional.
O PIB em alta alavanca importações e incentiva muitas empresas brasileiras a trocar a clientela estrangeira por consumidores domésticos, o que resulta no estreitamento rápido do saldo comercial. No primeiro semestre, a diferença entre exportações e importações foi de US$ 11,3 bilhões, contra US$ 20,6 bilhões na primeira metade de 2007.
O bom momento da economia local também leva as empresas a obter volumes recordes de lucros. Em conjunto, 257 companhias abertas listadas na Bovespa lucraram mais de R$ 120 bilhões no ano passado, 20% acima, descontada a inflação, do resultado, já muito bom, de 2006.
Com as multinacionais instaladas aqui não foi diferente. Uma boa fatia de seus lucros recordes, no entanto, teve de ser transferida para sanar problemas de caixa de suas matrizes em nações desenvolvidas, que passam por uma estagnação econômica. Por conta disso, a remessa de lucros e dividendos no primeiro semestre disparou, atingindo US$ 19 bilhões. De janeiro a junho de 2007, esse fluxo não passou de US$ 10 bilhões.
A continuidade dessa última tendência depende, é claro, da conjuntura econômica no mundo rico. As transnacionais vão ponderar entre a opção de investir mais lucros no Brasil -para atender à demanda doméstica crescente e, assim, manter as condições de lucratividade- e a de continuar com o foco no equilíbrio financeiro das operações em seus países-sede.
Já em relação ao saldo comercial decrescente, o Brasil tem alguma condição de intervir para que a tendência não venha a alimentar, no futuro, uma nova crise cambial. O desafio é derramar um pouco de areia na engrenagem do consumo doméstico -fator que impulsiona as importações- com o mínimo de repercussão negativa sobre o apetite das empresas por novos investimentos produtivos.
O aperto monetário iniciado em abril pelo Banco Central já mostra resultados. Os juros do crediário deram um salto e a concessão de empréstimo para pessoas físicas começa a se desacelerar. Mas um dos efeitos colaterais da medida -que aumenta o apetite de aplicadores estrangeiros por papéis da dívida pública brasileira e derivados- também se evidencia. Apesar de as contas financeiras externas do país mergulharem mais fundo no vermelho, o real continua a valorizar-se diante do dólar.
O Brasil dará um salto de qualidade na política econômica se adotar, para os próximos dois ou três anos, um programa para congelar nos patamares atuais os gastos de manutenção da máquina pública em todos os níveis de governo. Essa é a melhor maneira de enfrentar uma turbulência global que promete ser longa -e talvez ainda mais penosa do que se mostrou até agora.


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