São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 2008

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RUY CASTRO

Excedente de caixa

RIO DE JANEIRO - Há pouco tempo, alguém mais esperto dentro do crime organizado olhou em volta e descobriu que, se quisesse de fato fazer jus ao nome, o crime deveria tomar providências e deixar de ser um bando de pés-de-chinelo que só se sustentava pela omissão e incompetência do poder público.
Uma constatação foi a de que, mesmo com os pesados investimentos em armas e manutenção, o crime tem sempre excedente de caixa, por não precisar gastar dinheiro com itens que flagelam outros setores. Por exemplo, a frase de Benjamin Franklin (1706-1790), de que só há duas coisas inevitáveis: morte e impostos. No crime, só a morte é inevitável.
Pelo mesmo motivo, o gasto do crime com encargos sociais é zero: seus funcionários não têm carteira assinada, nem descontam para o instituto, porque a maioria morre antes da aposentadoria. O crime também não tem despesas de escritório, tipo clipes, selos e papel timbrado, nem com aluguel, porque suas instalações no morro são, digamos, cedidas pela população. E gatilhos (nos dois sentidos) lhe garantem água, luz e gás.
Resta o suborno a policiais, advogados, juízes, políticos e testemunhas. Isso, sim, é uma hemorragia. Ninguém sabe ao certo a dinheirama que vai nessas operações. E apenas porque, para contar com tais serviços especializados, o crime depende de terceiros. Daí que, pensou o sujeito, o crime deveria se organizar para produzir seus próprios quadros.
Uma reserva de jovens seria poupada do trabalho sujo, como a venda nas bocas-de-fumo, a campana nas encostas ou os confrontos com a polícia. Em vez disso, eles iriam estudar, formar-se em direito, galgar cargos no Judiciário, ingressar nos partidos, disputar eleições. Enfim, infiltrar-se no Sistema.
Absurdo? Pois não olhe agora, mas acho que isso já começou.


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