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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Suécia tropical
A ilusão que domina o discurso
político brasileiro é supor que o
objetivo de nossos esforços deva ser
fundar no Brasil uma Suécia tropical.
Nada tem a ver com a Suécia real ou
com o Brasil real; só com uma idéia
falsa de ambos. Enquanto continuarmos a perseguir essa miragem, não
construiremos o país.
Descrever essa ilusão é resumir em
um parágrafo a quase totalidade das
idéias programáticas em evidência no
Brasil. O binômio perverso -juros altos, câmbio baixo- deve ser substituído pelo binômio virtuoso -juros
baixos, câmbio alto. A condição para
isso é reduzir drasticamente o gasto
público, sem deixar de pagar os juros
da dívida pública. Essa mudança deve
ser combinada com reforma tributária que extraia renda dos endinheirados para financiar política social compensatória, dirigida aos brasileiros
mais pobres. Afora isso, basta educar
o povo e melhorar a eficiência do governo. O mercado e o social produzirão juntos a Suécia tropical.
Tudo nesse projeto é enganoso. Não
é possível passar de juros altos e câmbio baixo para o oposto por meio da
simples redução abrupta da despesa
pública. A nação recusar-se-á a trabalhar, sem ter governo que invista nela,
só para enriquecer os rentistas, os credores da dívida pública. A única maneira realista de executar a transição é
tensionar com os mercados financeiros (evitando ao máximo ruptura dos
contratos), preparar-se para controlar
movimentos de capital quando for necessário controlá-los e organizar bases
de crescimento econômico socialmente includente que não dependam
da confiança financeira. Uma dessas
bases é a mobilização da poupança de
longo prazo para o investimento de
longo, graças a reformas e inovações
no mercado de capitais. Outra base é o
aprofundamento do mercado interno, calcado na valorização e na qualificação dos assalariados por meio de
iniciativas que não ameacem a estabilidade da moeda. E que acabem com o
predomínio do trabalho sem carteira
assinada. Entre tais iniciativas figuram
participação dos assalariados nos lucros das empresas, incentivos tributários ao emprego e à qualificação dos
trabalhadores mais pobres e abolição
de todos encargos sobre a folha de salários.
Não é possível promover redistribuição de renda usando o sistema tributário e o gasto social focado nos
mais pobres para anular os efeitos de
desigualdades gigantescas de acesso
às oportunidades econômicas e educativas. As transferências compensatórias teriam que ser maciças para serem eficazes. Nunca chegariam lá. A
maneira de chegar lá é democratizar
radicalmente oportunidades econômicas e educativas. Usar os poderes e
os recursos do Estado para instrumentalizar o empreendedorismo que
emerge de baixo na sociedade brasileira. E para oferecer a todos ensino público de qualidade. Ensino capaz de
atrair a classe média à escola pública,
em proveito de todos.
Vivo angustiado com o seguinte
problema. Não há no pensamento
brasileiro alternativa clara ao devaneio da Suécia tropical, que fascina os
social democratas e os social liberais
brasileiros: proposta de rumo pronta
para ser traduzida em projeto de poder. Daí a necessidade de fazer o caminho inverso. Entrar na luta pelo poder. Apelar para a intuição do povo
brasileiro: seu instinto de sobrevivência e sua vontade de afirmação. E organizar o ideário no curso da construção coletiva de outro futuro.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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