São Paulo, terça-feira, 30 de agosto de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Luta para zerar a corrupção

LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO e PAULO PEREIRA DA SILVA

O desenrolar da continuada crise política instalada no governo federal e no Congresso em decorrência das denúncias de bem-articulados esquemas de compra de voto de parlamentares e de financiamento irregular de campanha eleitoral expõe uma suposta rede de corrupção até então inimaginável na política nacional por sua dimensão. Não se sabe, ainda, que abrangência terá, pois, a cada depoimento, surgem novas denúncias, mais investigações são iniciadas e têm desdobramentos. É como se o país tentasse desvendar um quebra-cabeça, no qual cada participante oferecesse uma pista e meias-verdades que ainda precisam ser completadas para dar uma visão clara e geral da situação.


As mazelas da política nacional expõem negativamente o governo e o Parlamento, chocando a opinião pública


Ao longo da história, o país tem passado por inúmeras crises, como resultado do próprio dinamismo da democracia, da pluralidade de pensamento e da abertura do debate com todos os segmentos sociais. Com o amadurecimento democrático, temos conseguido resolver de forma pacífica muitas de nossas adversidades, especialmente a falta de comportamento virtuoso por parte de alguns representantes dos poderes constituídos. Porém enfrentamos, atualmente, uma de nossas crises políticas mais graves. Remete para uma crise moral e ética sem precedentes, podendo trazer conseqüências desastrosas para o país caso venha a atingir as instituições.
As mazelas da política nacional expõem negativamente o governo e o Parlamento, chocando a opinião pública e abrindo a perspectiva de cobrança por parte de uma sociedade civil indignada e que deseja explicações -inclusive do presidente, que não pode eximir-se de prestar esclarecimentos à nação.
O quadro atual gera uma convicção generalizada de que chegou a hora de dar um basta à corrupção, de externar preocupações e descontentamentos, além de cobrar punição severa para quem desviou dinheiro público, seja ele corrupto ou corruptor. O povo clama por respostas, investigações céleres, aprofundadas e transparentes, dentro dos limites da lei, refutando toda e qualquer impunidade dos envolvidos nessa série de denúncias.
Diante da crise, uma reação era esperada. Veio na forma do Movimento pela Legalidade, contra o Arbítrio e a Corrupção, lançado em julho deste ano e integrado por mais de 40 entidades da sociedade civil, incluindo -além da OAB-SP e da Força Sindical- Fiesp, Ciesp, CGT, Bovespa, Fecomércio, Faesp, ACSP, Associação Paulista do Ministério Público, Apamagis, Conselho Regional de Administração e outras. O primeiro compromisso do movimento é a defesa e o fortalecimento das instituições democráticas, da legalidade e da Constituição, bem como do Estado democrático de Direito, repudiando toda manifestação de ilegalidade, de arbítrio e de violação da dignidade humana.
O chamado "mar de lama" reduz as perspectivas futuras e leva ao desinteresse e à descrença nas possibilidades de mudança. Especialistas prognosticam um recorde de abstenções no próximo pleito eleitoral, o que seria mais desastroso para o povo do que para a classe política. Por isso lutamos pelo fim das legislações oportunistas, das punições brandas aos políticos faltosos e do espetáculo no qual se transformaram as campanhas eleitorais, eivadas de discursos mirabolantes e de promessas vazias.
A reforma político-eleitoral de emergência, em tramitação na Câmara dos Deputados, pode dar uma satisfação à população ou pode resultar em uma solução açodada e de remendo, mascarando a necessária e ampla reforma política, que vem sendo postergada.
As atuais regras se provaram insuficientes para coibir o avanço da corrupção eleitoral, sobretudo por meio do caixa dois, crime que causa pouco temor àqueles que chegaram às últimas conseqüências, esgarçando a moralidade pública. Uma ampla reforma política pode ir mais longe, abarcando o sistema partidário para evitar que novas alianças artificiais sejam necessárias para garantir a governabilidade, levando a novas negociatas e distorções.
Uma segunda etapa do Movimento pela Legalidade vem na forma de um ato público que acontece na véspera do Dia da Independência. Queremos conhecer a verdade, qualquer que seja ela, e enfatizar que a cidadania não aceitará punições paliativas dos que forem, direta ou indiretamente, responsabilizados dentro do devido processo legal. A corrupção e a ilegalidade violam a cidadania, afetam a qualidade de vida de todos os brasileiros e comprometem a normalidade jurídica do país. Precisamos, imediatamente, de medidas profiláticas que impeçam a prática de corrupção em todas as suas formas. Queremos atingir o "Grau Zero de Corrupção" para criar um país mais justo e melhor para todos.

Luiz Flávio Borges D'Urso, 45, advogado criminalista, mestre e doutor pela Faculdade de Direito da USP, é presidente da OAB-SP.
Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, 49, é presidente nacional da Força Sindical.



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