São Paulo, sábado, 30 de agosto de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GUSTAVO FRANCO

O problema da transferência

NEM TODOS os economistas estudaram este assunto, que é um clássico na disciplina, porém um tema meio antigo e difícil, e que esteve, por exemplo, no coração das controvérsias sobre as reparações de guerra impostas à Alemanha após a Primeira Grande Guerra. Muitas análises interessantes, de John Maynard Keynes a Paul Samuelson, foram produzidas sobre o problema.
O problema da transferência tem tudo a ver com o uso do dinheiro do pré-sal. Imagino que as assessorias dos ministros Mantega e Lobão já devam saber tudo sobre isso.
Se não sabem, estamos em perigo.
Mas, como o leitor nada ouviu sobre as leituras da comissão interministerial do pré-sal, vale um dedo de prosa sobre a natureza deste problema, que se apresenta toda vez que um país se vê diante de grandes e inesperadas receitas (ou despesas) em moeda que não é a sua.
A Alemanha estava obrigada a pagar reparações aos franceses, mas em moeda "forte", dólar ou ouro. Tinha um problema fiscal, pois a obrigação era do governo, e outro de balanço de pagamentos, pois tinham de transformar "marcos-papel", como se dizia, em dólares ou ouro.
Rodar a guitarra e fabricar marcos para pagar a dívida era fortemente inflacionário -e mais ainda quando o governo levava o seu papelório para o mercado de câmbio para comprar dólares. A desvalorização tinha de ser monstruosa para que se produzisse um superávit comercial (em dólares) que "transferisse" reparações que correspondiam a 80% das exportações alemãs.
Foi uma tragédia.
Se quisermos gastar o dinheiro do pré-sal em educação, vamos enfrentar dificuldades parecidas, embora com o sinal contrário. Quando se fala em "dinheiro" do pré-sal, vamos ter clareza que falamos de dólares advindos da exportação, o que está um tanto distante do desejo de gastar em reais, que é assunto fiscal. Como na Alemanha, o problema tem (ou pode ter) um ângulo fiscal, outro de balanço de pagamentos.
Se as instalações e equipamentos educacionais fossem importados, e se as professoras ganhassem em dólares e gastassem toda a sua renda em importações adicionais, então, e apenas nessas curiosas circunstâncias, não haveria efeitos cambiais e problemas de transferência.
Se não for assim, então, fica claro que os reais usados para fazer as escolas e pagar as professoras serão produzidos por aumento da dívida pública, e para isso não precisamos de pré-sal.
A lição, que não é tão complicada, é que o tesouro só é um tesouro se o país tem uso para ele na moeda do tesouro.

gh.franco@uol.com.br


GUSTAVO FRANCO escreve aos sábados nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Do noticiário
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.