São Paulo, terça-feira, 30 de agosto de 2011 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
TENDÊNCIAS/DEBATES Educação para a paz MICHEL SCHLESINGER
Em poucas semanas, a eventual criação de um Estado palestino será discutida na Assembleia Geral das Nações Unidas. O pleito suscitará, sem qualquer dúvida, uma enxurrada de artigos a serem publicados pela imprensa internacional, especulando sobre a legitimidade da pretensão palestina e sobre a adequação do momento e do instrumento escolhidos. Desde o assassinato de Yitzhak Rabin, então primeiro-ministro de Israel, em 1995, pouco se avançou no processo israelo-palestino de paz. Pelo contrário. Nos últimos anos, a direita israelense se fortaleceu e a liderança palestina se dividiu. Foi constituído o quarteto para o Oriente Médio, formado por Rússia, Estados Unidos, União Europeia e ONU; apesar de sua imensa representatividade, pouco contribuiu para o avanço de tais negociações. Recentemente, ônibus israelenses foram atacados por terroristas perto da fronteira do Egito. O extremismo de todos os lados terá de ser enfrentado com coragem. A maior parte dos israelenses, judeus e não judeus, assim como a maioria dos palestinos, quer apenas viver em condições de segurança e normalidade. Quando vistos sob a perspectiva da história, muçulmanos e judeus viveram muito mais momentos de aproximação do que épocas de distanciamento. Assim foi, por exemplo, na chamada idade de ouro do judaísmo. Entre os séculos 8 e 15, muçulmanos, judeus e cristãos viveram em harmonia na península Ibérica medieval. Ainda hoje, as discussões são políticas, nunca religiosas. A religião é acionada, algumas vezes, de forma dissimulada, para justificar aquilo que os interesses políticos pretendem conquistar. Religião alguma prega a destruição ou a morte. Cânones judaicos, muçulmanos e cristãos valorizam a vida acima de tudo. A escolha da Congregação Israelita Paulista de comemorar os seus 75 anos de existência com a apresentação de um coral multiétnico, formado por jovens cristãs, muçulmanas e judias, é uma demonstração de seu compromisso de olhar as dificuldades da realidade à sua volta com coragem. O projeto "Voices of Peace" já seria uma conquista caso tratasse apenas de jovens de religiões diferentes que cantam junto em uma sociedade em conflito. No entanto, o projeto do qual esse coral faz parte é bem mais amplo. Trata-se de uma visão segundo a qual superamos conflitos por meio de uma educação para a paz. Essas crianças, que têm a oportunidade de conviver com colegas de outras religiões e etnias desde pequenas -num país em que isso é quase uma exceção-, crescerão muito mais equipadas para viver em uma sociedade plural. É dessa forma emblemática que se decidiu celebrar as sete décadas e meia de uma congregação que vê na postura crítica e no diálogo os grandes legados do povo judeu. O filósofo Martin Buber (1878-1965) defendia que apenas nas interações do tipo "eu-tu", em oposição ao "eu-isto", deixamos de enxergar o outro como mero objeto para a conquista dos próprios objetivos e passamos a escutar as vozes alheias. Penso que é somente nas relações dialógicas que temos a oportunidade de superar preconceitos e de construir um caminho compartilhado. A convivência harmoniosa entre árabes e israelenses será conquistada apenas por meio de um empático diálogo no estilo "eu-tu", construído por meio de uma corajosa educação para a paz. MICHEL SCHLESINGER, 34, advogado formado pela Faculdade de Direito da USP, é rabino da Congregação Israelita Paulista, ordenado pelo Instituto Rabínico Schechter, de Jerusalém. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: Vladimir Safatle: Modelo novo Próximo Texto: Rogério Meneghini: Publicação, importante etapa da ciência Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |