São Paulo, segunda-feira, 30 de setembro de 2002

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BORIS FAUSTO

Marketing político

Quando o marketing político começou a aparecer, muita gente -inclusive quem escreve estas linhas- imaginou que estávamos diante de mais uma "cascata".
A desconfiança, em poucas palavras, era fruto do racionalismo: os partidos e os candidatos tinham ou deveriam ter ideologia; os cidadãos seguiam ou deveriam seguir pelo mesmo caminho. Como pensar que seria possível vender candidatos como se vendem sabonetes?
Com o correr do tempo, embora haja diferenças entre os dois tipos de consumo, elas se encurtaram e hoje poucos duvidam da influência do marketing político no resultado de uma eleição. Quem duvida paga o preço. Exemplifico com dois casos da corrida presidencial: o de Ciro Gomes, de um lado, e o de Lula, de outro. O primeiro desdenhou dos grandes nomes e atribuiu a responsabilidade de seu programa de televisão a um parente, se não estou enganado. Ao que parece, o candidato julgava-se o marqueteiro de si mesmo, dados seus inegáveis dons de comunicação.
O resultado foi o que se viu. Seu programa não convence. Pior do que isso, solto no espaço, Ciro foi um desastre, surpreendendo amigos e adversários com um comportamento descontrolado. Quase não seria preciso lembrar as atitudes que revelaram preconceito racial, arrogância, machismo, descrédito das instituições.
Lula e o PT, pelo contrário, renderam-se às virtualidades do marketing político, com resultados positivos. Seria injusto dizer que a versão "paz e amor" de Lula seja apenas uma grande montagem de Duda Mendonça. O candidato, nas palavras e nos gestos, mostrou uma evolução, quando lembramos um passado recente.
É bem verdade que, apesar dessa evolução e do cuidado de seus assessores, o candidato petista, aqui e ali, ainda escorrega feio. Exemplo: a afirmação de que o Brasil não virá a ser uma Argentina, levantando uma onda de indignação no país vizinho que obrigou Lula a assinar um artigo explicativo.
De qualquer forma, o candidato marcou pontos pessoais e se revelou competente para ganhar a eleição, embora ainda não a tenha ganho. O problema, porém, não é o Lula candidato, e sim o Lula presidente, caso chegue à Presidência. A essa altura - missão cumprida - Duda Mendonça terá ido para casa e as duras tarefas de governo, em meio a uma situação delicada, seriam incontornáveis.
Que caminho Lula seguiria? Por exemplo, na área econômica: o caminho da cautela, não perdendo de vista os princípios do respeito aos contratos, da responsabilidade fiscal, do combate à inflação, mesmo tratando de acelerar o crescimento? Ou, pelo contrário, cederia à tentação do crescimento a qualquer preço, conformando-se com o retorno da inflação alta e da desordem financeira, para a alegria de uma parcela da classe dominante? São algumas dentre muitas perguntas para as quais o marketing político não tem respostas, se é que alguém as tem.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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