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CLÓVIS ROSSI
A novela das 8 e o escracho
SÃO PAULO - Quando escrevi que
o Brasil (o Brasil político) se transformara no país do "deboche pronto", não podia imaginar que Gilberto Braga e Ricardo Linhares levariam idêntica percepção para o programa de maior audiência da TV
brasileira, a novela das oito (no caso, "Paraíso Tropical", ainda por cima no capítulo final).
Para quem não viu, breve resumo: a trambiqueira e prostituta Bebel (vivida por Camila Pitanga) é a
única da turma do "mal" que nem
morre nem perde. Ao contrário, se
dá bem. Como? Graças a se tornar
amante de um senador. Bebel termina em uma sessão de CPI para
investigar biocombustíveis (por
acaso -ou não- o tema pelo qual o
presidente Lula é assumidamente
obcecado). A sessão vira circo, e a
trambiqueira, gloriosa, posa para
fotos e anuncia que vai aparecer na
capa de uma revista.
Salvo erro de memória, nunca antes neste país uma novela apresentou o "retrato falado" de um político de forma tão explícita. Só faltou
dar as iniciais, o R de Renan e o C de
Calheiros.
Na era Collor, uma novela da Globo também tratara da podridão política do poder. Mas o tom era moralista (sem dar conotação crítica à
palavra), indignado, de "isso-não-pode-continuar".
Na era Lula, o tom é de deboche,
de "isso-não-tem-mais-jeito-mesmo". Não por acaso, Camila Pitanga, simpatizante de sempre do PT e
de Lula, disse que "foi uma ótima
solução dos autores colocar a Bebel
no contexto político que também é
cheio de roubalheira".
Sempre haverá um ou dois descerebrados para acusar os autores de
"conspiração", técnica canalha para
fugir dos fatos.
Os fatos, no entanto, provam, dia
sim, outro também, que a política
brasileira é um imenso escracho,
um "Cambalache", aquele tango
que diz "el que no llora no mama, y
el que no afana es un gil" (otário, na
gíria portenha).
crossi@uol.com.br
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