São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Desafios do crescimento econômico

CARLOS LUQUE


Em vez de defendermos um governo eficiente, tentamos excluí-lo das funções econômicas, esquecendo seu importante papel

A CRISE do sistema financeiro internacional, que ameaça lançar o mundo numa profunda recessão, revela a importância do papel do governo no funcionamento da economia em diferentes dimensões, sobretudo na promoção de uma melhor operação dos mercados, da estabilidade e do crescimento econômico.
Entretanto, após algumas décadas de excessivo crescimento dos gastos governamentais e da crise financeira que se abateu sobre inúmeros governos, particularmente em países da América Latina, a eficiência da ação pública começou a ser questionada.
Novamente vigoravam idéias de que as economias deveriam ser liberalizadas da ação governamental, de que, quanto menos governo, melhor e de que o setor privado por si só resolveria todos os problemas.
Na realidade, o que se notou foi uma grande confusão. Em vez de defendermos um governo eficiente, comprometido com o crescimento econômico, acabamos por tentar excluir o governo das funções econômicas, esquecendo seu importante papel. Era muito comum a idéia de que a privatização e a liberalização dos mercados seriam condições eficientes para que os países entrassem numa rota de crescimento econômico.
Entretanto, a realidade mostrou que essa bandeira não tem sustentação. A crise financeira que estamos atravessando -e não sabemos ainda suas reais conseqüências sobre a economia mundial- realça um fato inconteste: faltou a presença do governo, mediante uma regulação mais ativa do mercado financeiro.
Recente estudo promovido pela Comissão para o Crescimento Econômico, cujo objetivo primordial é entender o fenômeno do desenvolvimento com base na experiência mais exitosa dos países durante as décadas de 1950 a 1980, transmite informações relevantes para o entendimento do momento que vivemos, ainda que seu objetivo seja totalmente distinto.
Em primeiro lugar, não estão em xeque as inegáveis e insubstituíveis virtudes que os mercados possuem quando funcionam de maneira mais livre, sem interferências externas, na alocação dos recursos.
Entretanto, não podemos esquecer que as ações tomadas pelos diversos agentes econômicos se baseiam em perspectivas de retornos privados e, portanto, na ânsia de obter tais retornos, mercados como o financeiro podem gerar instabilidades. O papel da regulação, tarefa que deve ser executada por autoridades governamentais, não pode ser esquecido.
Por outro lado, apesar da virtude dos mercados, não se pode esquecer que eles não são garantia para a promoção de desenvolvimento econômico ou a melhor distribuição de renda.
O relatório da comissão enfatiza o papel do governo no processo de desenvolvimento econômico, mostrando inicialmente que o processo de desenvolvimento é um fenômeno complexo e difícil de ser entendido. "Não damos aos formuladores de políticas públicas uma receita ou uma estratégia de crescimento. Isso porque não existe uma única receita a seguir."
Mais adiante, afirma: "Não conhecemos as condições suficientes para o crescimento. Podemos caracterizar as economias bem-sucedidas do pós-guerra, mas não podemos apontar com segurança os fatores que selaram seu êxito nem os fatores sem os quais elas poderiam ter sido exitosas".
Certamente essas frases devem nos deixar algo perplexos, especialmente quando ouvimos as certezas que dominam a maioria dos analistas econômicos espalhados pelo mundo, em especial quando tratam de fornecer fórmulas prontas para o crescimento dos países.
A comissão reconhece que a dificuldade do entendimento sobre o fenômeno do crescimento dificulta a ação governamental na definição das estratégias a serem seguidas. A recomendação dada é a de que o governo "não deve ficar inerte, por temor de malograr; os governos devem testar diversos programas e devem ser rápidos em aprender quando dão errado. Se dão um passo errado, devem tentar um plano diferente, e não submergir na inação ou recuar".
Outra recomendação dada pela comissão se relaciona com a tentativa de adoção de receitas prontas de outros países: "Os planos de ação ruins de hoje em geral são os bons planos de ontem, mas aplicados por tempo demasiado".
Em suma, a comissão defende um governo crível, comprometido com o crescimento e eficiente. Um governo forte, capaz de realizar investimentos na área de educação, saúde e infra-estrutura a fim de elevar a rentabilidade dos investimentos privados.
É com uma ação eficiente do governo e do setor privado que certamente poderemos promover o desenvolvimento dos países.


CARLOS LUQUE é professor titular no Departamento de Economia da FEA-USP e presidente da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

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