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RUY CASTRO
A morte ideal
RIO DE JANEIRO - Quem já passou de certa idade e saltou algumas
fogueiras começa a pensar na maneira ideal de morrer. E o resultado
é invariável: de uma vez, rapidinho,
sem muitas preliminares. Mas, exceto os suicidas, quem pode escolher como morrer?
Na semana passada, perdemos o
dr. Henrique Gandelman. Tinha 80
anos e era advogado. Na juventude
estudou violino, viola, composição
e regência, e apaixonou-se pela
obra de Villa-Lobos. Formou-se em
direito e abriu um pioneiro escritório de administração de direitos autorais. Vários escritores, inclusive
eu, estavam aos seus cuidados.
Dr. Henrique era como o chamávamos. O tratamento não parecia
compatível com o homem alegre e
popular que discutia futebol, Beethoven e literatura no Clipper, decano dos botequins do Leblon. Mas
ele era um doutor, uma autoridade
nas questões sobre quem é dono do
quê na obra de arte, e autor de diversos livros a respeito.
Foi dr. Henrique quem dirimiu a
caótica situação da obra de Villa-Lobos no exterior. Levou anos correndo EUA, Itália e França, mas
conseguiu com que os direitos sobre Villa, perdidos, dispersos ou em
mãos de terceiros, convergissem
para quem de direito: o espólio do
maestro. Foi um trabalho de amor,
poucos amavam tanto Villa-Lobos.
Na última quinta, dr. Henrique ia
dar uma palestra sobre o artista no
Museu Villa-Lobos. E seria também homenageado por seu trabalho de organização jurídica dos contratos da obra do compositor. No
camarim, o sistema de som tocava a
"Floresta Amazônica". De mãos dadas com sua mulher, Salomea, Dr.
Henrique comentou: "Fico sempre
arrepiado de ouvir isto. O Villa é
mesmo o maior".
Soltou um suspiro grave. A cor
lhe fugiu -era o aneurisma, fulminante e fatal. Morreu ali mesmo, no
ato. Como se tivesse escolhido morrer ao som de Villa-Lobos.
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