São Paulo, quarta-feira, 30 de setembro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A hora do Senado

VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA, OCTÁVIO LUIZ MOTTA FERRAZ e DIOGO R. COUTINHO


Ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, as sabatinas no Senado brasileiro foram, até hoje, uma mera formalidade

A CONSTITUIÇÃO atribui ao Senado funções extremamente relevantes. Em meio a uma grave crise, essa Casa legislativa é novamente chamada a cumprir uma delas: sabatinar, e aprovar ou rejeitar, a recente indicação do presidente da República para o cargo vago de ministro do Supremo Tribunal Federal.
Dependendo de seu desempenho, poderá ser uma oportunidade para que o Senado mostre que realmente possui algo a contribuir para o funcionamento de nossa jovem democracia.
A mais nova indicação do presidente da República para o STF tem gerado polêmica em diversos círculos da sociedade. O que muitos afirmam é que o indicado não satisfaz nem o requisito de notável saber jurídico (por seu currículo ser considerado fraco ou por ter sido reprovado em mais de um concurso público) nem a exigência de reputação ilibada (por ter sido condenado em decisões judiciais ainda não definitivas).
Para além da perspectiva pessoal, contudo, acreditamos que é importante encarar o episódio também a partir de uma ótica institucional.
Não há, em nossa história, registro de uma sessão de sabatina em que senadores tenham desafiado o indicado a enfrentar questões constitucionais urgentes, polêmicas e difíceis. Tampouco tem sido preocupação do Senado avaliar se os indicados a compor o STF efetivamente satisfazem as exigências constitucionais de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Ao contrário do que ocorre nos EUA, país que inspirou nossa organização político-constitucional, as sabatinas no Senado brasileiro foram, até hoje, uma mera formalidade.
Nos EUA, os candidatos a ministro da Suprema Corte são de fato indagados sobre grandes temas constitucionais (aborto, integração racial, papel do Estado na economia etc.) e, não raro, são rejeitados ou forçados a retirar suas candidaturas (foram cinco somente nos últimos 40 anos, num universo de 21 nomeações).
A sabatina nunca atenderá sua função se consistir, como tem ocorrido, em perguntas improvisadas e previsíveis ou em discursos oportunistas para as câmeras de TV. Ela deveria ser encarada como uma ocasião para se conhecer efetivamente o perfil do pretendente, além de possibilitar um teste de seus reais conhecimentos jurídicos, atributos de personalidade e de sua habilidade argumentativa.
Fazer boas perguntas, claro, é um primeiro passo, mas a função da sabatina ainda não se esgota aqui: os senadores precisam estar preparados para ouvir e, sobretudo, desafiar as respostas que mostrem inconsistências ou desvios retóricos.
A sabatina, por tudo isso, não deve se resumir a uma sessão rápida e protocolar que simplesmente chancele a indicação presidencial. Antes de tomar a decisão, o Senado pode estender a sessão por alguns dias, permitir que a imprensa acompanhe e aprofunde o debate e que os cidadãos formem suas opiniões.
Para citar novamente o exemplo norte-americano, indicações polêmicas, como a dos juízes Clarence Thomas e William Rehnquist, geraram um processo de confirmação que durou mais de três meses. Tal processo, ainda que leve à confirmação do indicado, contribui para o aperfeiçoamento da democracia, permitindo que a população acompanhe um debate público genuíno sobre o preenchimento de um dos cargos mais importantes da República.
Se, pela primeira vez na história de sua conturbada existência, o Senado suscitar perguntas que efetivamente revelem o grau de aptidão do candidato e sua maturidade, pessoal e jurídica, para ocupar um cargo tão importante, os senadores terão a rara oportunidade de não simplesmente confirmar, de forma submissa, a escolha política do presidente da República, mas, se assim entenderem necessário, também de rejeitá-la, o que seria algo inédito nos últimos cem anos.
Confirmando ou rejeitando, o Senado Federal faria valer a sua missão constitucional de controlar os atos do Poder Executivo e participar, ativamente, da composição da cúpula do Poder Judiciário.
Há ao menos duas ordens de razões para levar essa missão constitucional a sério. A primeira é uma questão de princípio: se o Senado abdica de um dos seus papéis fundamentais na engrenagem da separação de Poderes, o Estado de Direito se enfraquece.
Mas, para quem prefere pragmatismo a princípios, há também uma razão estratégica: se quiser reconstruir sua arranhada imagem e conquistar o prestigioso espaço que a Constituição lhes atribuiu, os senadores poderiam começar a sua virada agora, com uma sabatina de verdade do novo indicado, José Antonio Dias Toffoli. Agora é a hora do Senado.


VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA , 35, é professor da Faculdade de Direito da USP.
OCTÁVIO LUIZ MOTTA FERRAZ , 37, é professor da Faculdade de Direito da Universidade de Warwick, Inglaterra.
DIOGO R. COUTINHO , 34, é professor da Faculdade de Direito da USP.

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