São Paulo, sexta-feira, 30 de setembro de 2011

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Editoriais

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O impulso da proibição

Do fumo a obras literárias cuja linguagem é considerada inapropriada, da publicidade nas ruas a comerciais na mídia, varre o país uma onda de tentativas de proibição, muitas bem-sucedidas. Eis um fenômeno à procura de pesquisadores que não estejam, eles próprios, amarrados em demasia ao cânone "politicamente correto".
O alvo agora é um anúncio de TV em que uma modelo conta ao marido notícias ruins, como a batida do carro. Fala as mesmas frases ora vestida sem nenhum apelo -o jeito "errado"-, ora em trajes íntimos sumários -o jeito "certo".
A Secretaria de Políticas para as Mulheres, uma das 38 pastas chefiadas por ministros no governo federal, não gostou. Diz que o comercial reforça o "estereótipo da mulher como objeto sexual de seu marido e ignora avanços alcançados para desconstruir práticas e pensamentos sexistas".
Até aí, tudo certo. De uma secretaria com tal propósito se espera mesmo que reclame contra tudo o que julgar discriminatório para as mulheres. Pode-se, evidentemente, discordar do diagnóstico, como o fazem os responsáveis pela propaganda da marca de lingerie, dizendo que a peça publicitária faz na verdade a sátira de um "comportamento negativo".
A pergunta intrigante é por que esse tipo de discussão no Brasil cada vez mais extrapola a esfera do debate civil -em que poderia, inclusive, prejudicar a imagem e as vendas de anunciantes que abusassem da sensibilidade do público- e se encaminha para tentativas, a cargo do Estado, de calar a mensagem considerada imprópria.
A secretaria federal pediu ao Conar, o órgão responsável pela autorregulação da publicidade no país, que retire do ar o comercial. A argumentação da pasta é insólita a ponto de defender que um anúncio privado não pode "ignorar" os tais "avanços alcançados".
Nem se mencione a latitude de interpretações possíveis e conflitantes acerca da adequação de uma mensagem publicitária específica como essa. A despeito disso, manifestações privadas têm assegurado o direito de criticar e de satirizar, inclusive, as conquistas e as bandeiras tradicionais do feminismo.
Numa sociedade democrática, o caráter inapropriado de expressões intelectuais, artísticas ou publicitárias -bem como as consequências para a imagem dos responsáveis por sua veiculação- só pode ser estabelecido no debate público. Exceções, como a proteção da infância, deveriam ser raríssimas. Do contrário, o Estado passaria a tutelar a opinião das pessoas.


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