São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2004

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UM "LULA" NO URUGUAI

Pesquisas de intenção de voto para a eleição presidencial que se realiza amanhã no Uruguai sugerem que o candidato da coalizão de esquerda Frente Ampla, Tabaré Vázquez, poderá vencer já no primeiro turno. A mudança prevista reveste-se de especial ineditismo, pois encerra um ciclo conservador de 174 anos, ao longo do qual representantes dos partidos tradicionais, o Colorado e o Blanco, se revezaram no poder.
A confirmar-se a vitória de Vázquez, o Uruguai estará seguindo as pegadas de vários outros países latino-americanos, como Brasil e Argentina, nos quais governos identificados com as políticas de liberalização econômica que prosperaram na região na passagem da década de 1980 para 1990, foram sucedidos por candidatos de centro-esquerda.
Muito dependente de exportações para o Brasil, o Uruguai recebeu um primeiro choque com a desvalorização do real em 1999. Em 2001, com a bancarrota argentina, a recessão aprofundou-se ainda mais. O resultado mede-se em dólares e no aumento da pobreza.
Em 1998, o PIB uruguaio era da ordem de US$ 22 bilhões. No ano passado, ficou na casa dos US$ 11 bilhões. Dos 3,3 milhões de habitantes do país, 1,1 milhão são considerados pobres e, destes, 100 mil encontram-se abaixo da linha da indigência. Estima-se que 500 mil uruguaios vivam hoje no exterior.
São perdas que se tornam especialmente perceptíveis no país que algumas décadas atrás chegou a ser considerado a "Suíça latino-americana" e que se orgulhava de proporcionar a seus cidadãos excelente qualidade de vida e educação comparável à de países do Primeiro Mundo.
Um pouco como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva -a quem é freqüentemente comparado-, Tabaré Vázquez, se de fato eleito, terá enormes dificuldades para concretizar as esperanças que a população deposita em seu governo. Além do irrealismo que em geral caracteriza esse tipo de expectativa, Vázquez terá de fazer uma administração conciliadora. Para obter maioria legislativa, deverá compor com a ala renovadora do Partido Nacional (blancos), o que tende a evitar experimentações arriscadas. Também como Lula, seu discurso, antes francamente esquerdista, está passando por um acelerado processo de moderação.
Mantendo-se, como tudo indica, dentro dos parâmetros de respeito às normas democráticas, a provável eleição de Tabaré Vázquez tende a ser politicamente benéfica, na medida em que, depois de quase dois séculos de bipartidarismo, levará aos uruguaios a experiência de uma real alternância do poder. Mesmo que isso signifique descobrir que mudanças são muito mais fáceis de prometer do que de realizar.


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