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TENDÊNCIAS/DEBATES
Só polícia não resolve
SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA
Colocar mais e mais pessoas no cárcere é fazer com que aquele que poderia ter outra pena vire massa de manobra do crime organizado
EX-SECRETÁRIO nacional de Segurança Pública (2002) e coordenador do programa de governo na área de segurança pública de
Mario Covas (1994), o coronel José
Vicente da Silva Filho afirmou, nesta
mesma Folha, que bandido bom é na
cadeia. Disse mais: São Paulo tem
menos crimes que a média do país dada a eficiência da polícia paulista. Entretanto, alguns mitos sobre o assunto necessitam ser esclarecidos.
Não há experiência internacional
de combate ao crime que possa prescindir da polícia, assim como não há
experiência que consiga dissuadir
criminalidade só com polícia.
Há pouco mais de um ano, esta Folha mostrou que a capital colombiana
(Bogotá) combinou repressão com
urbanismo e educação para fazer cair
os índices de criminalidade. A cidade
de São Paulo está sendo observada
com muita curiosidade pelos estudiosos do assunto por ter experiência
distinta, mas parecida. Vejamos.
Em 1999, nossa capital tinha um índice de 52,57 homicídios por 100 mil
habitantes ao ano (fórmula internacionalmente aceita para medição da
violência). Em 2006, em queda vertiginosa de 63,74%, o índice chegou a
19,06. Projeta-se para 2007 um índice
de 12 homicídios, ficando a capital
mais segura que a média do interior.
No mesmo período, o Estado, protegido pela mesma polícia, viu um decréscimo de 35,33 (1999) homicídios
por 100 mil habitantes para 15,23
(56,89%). Ou seja, na mesma base territorial em que atua a polícia paulista,
o decréscimo de mortes violentas foi
muito menor e em grande parte promovido pela diminuição na região
metropolitana. A mesma "polícia" foi
eficaz na capital, mas nem tanto no
resto do Estado. Ou, em outras palavras, não foi a polícia sozinha que determinou a baixa dos índices.
Quais circunstâncias concorreram
para a queda brutal desses índices?
Nunca é demais lembrar alguns fatores mais gerais que contribuíram com
essa diminuição acentuada.
O desemprego na região metropolitana, medido pelo Dieese, baixou de
19,3%, em 1999, para 15,8% no ano
passado. No mês de junho do corrente, chegou a 14,4%. A recuperação do
emprego pleno foi puxada pela retomada acentuada da indústria e do setor de serviços, crescimento muito
maior do que o da agricultura -o que
talvez explique ser mais contundente
a diminuição de homicídios na capital
se comparada com o interior.
Ainda no plano econômico, as disparidades sociais foram diminuídas, e
os salários médios, aumentados, atenuando os contrastes urbanos causadores da criminalidade.
Pondere-se ainda que, nesse período, houve campanhas de redução de
armas de fogo, incremento de novos
projetos educacionais, medidas urbanísticas melhoraram a auto-estima
da população ao restaurar prédios públicos, monumentos e outras edificações da capital. Além disso, houve o
envolvimento da comunidade com o
governo. Escolas estaduais começaram a abrir nos finais de semana, disponibilizando quadras para atividades esportivas em campeonatos com
a comunidade. Novas escolas, com cinemas, piscinas e quadras poliesportivas foram e continuam sendo construídas pela prefeitura (CEUs).
Enfim, medidas preventivas, ao
longo de oito anos, fizeram decrescer
os índices de mortes violentas. Nesse
período, não obstante os esforços do
governo do Estado, as prisões continuaram abarrotadas. Há 42 mil pessoas a mais do que as vagas disponíveis nas prisões paulistas.
A implementação de mecanismos
de ampla defesa no processo criminal
e na execução penal, especialmente
com o fortalecimento da Defensoria
Pública, pode fazer com que criminosos primários não tenham o convívio
deletério com líderes de quadrilha e
de facções criminosas. Colocar mais e
mais pessoas no cárcere é fazer com
que criminosos que poderiam ter penas alternativas (para o caso de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa) sejam massa de
manobra do crime organizado.
É bom lembrar que, em São Paulo, a
principal organização criminosa -o
Primeiro Comando da Capital- não
nasceu nas ruas, mas nas prisões.
Mais gente na cadeia é mais crime organizado. E todos os paulistas sabem
que os ataques do PCC só seriam coibidos pela polícia se ela fosse eficiente. A lembrança de policiais acuados
nas delegacias, ônibus incendiados e
agências bancárias atacadas mostram
que isso não ocorreu.
Afirmar, portanto, que o bom bandido tem que estar preso não resolve
o problema do banditismo. Mais! É
esquecer que aquele que não é tratado com dignidade pelo Estado certamente voltará a delinqüir de maneira
mais virulenta. Bom bandido é o que
se recupera socialmente e não mais
precisa ser chamado de bandido.
SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA, 46, mestre e doutor em
direito penal pela USP, é professor titular de direito penal
da USP e presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Foi presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) de 1997 a 1998.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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