São Paulo, terça-feira, 30 de outubro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Só polícia não resolve

SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA

Colocar mais e mais pessoas no cárcere é fazer com que aquele que poderia ter outra pena vire massa de manobra do crime organizado

EX-SECRETÁRIO nacional de Segurança Pública (2002) e coordenador do programa de governo na área de segurança pública de Mario Covas (1994), o coronel José Vicente da Silva Filho afirmou, nesta mesma Folha, que bandido bom é na cadeia. Disse mais: São Paulo tem menos crimes que a média do país dada a eficiência da polícia paulista. Entretanto, alguns mitos sobre o assunto necessitam ser esclarecidos.
Não há experiência internacional de combate ao crime que possa prescindir da polícia, assim como não há experiência que consiga dissuadir criminalidade só com polícia.
Há pouco mais de um ano, esta Folha mostrou que a capital colombiana (Bogotá) combinou repressão com urbanismo e educação para fazer cair os índices de criminalidade. A cidade de São Paulo está sendo observada com muita curiosidade pelos estudiosos do assunto por ter experiência distinta, mas parecida. Vejamos.
Em 1999, nossa capital tinha um índice de 52,57 homicídios por 100 mil habitantes ao ano (fórmula internacionalmente aceita para medição da violência). Em 2006, em queda vertiginosa de 63,74%, o índice chegou a 19,06. Projeta-se para 2007 um índice de 12 homicídios, ficando a capital mais segura que a média do interior.
No mesmo período, o Estado, protegido pela mesma polícia, viu um decréscimo de 35,33 (1999) homicídios por 100 mil habitantes para 15,23 (56,89%). Ou seja, na mesma base territorial em que atua a polícia paulista, o decréscimo de mortes violentas foi muito menor e em grande parte promovido pela diminuição na região metropolitana. A mesma "polícia" foi eficaz na capital, mas nem tanto no resto do Estado. Ou, em outras palavras, não foi a polícia sozinha que determinou a baixa dos índices. Quais circunstâncias concorreram para a queda brutal desses índices?
Nunca é demais lembrar alguns fatores mais gerais que contribuíram com essa diminuição acentuada. O desemprego na região metropolitana, medido pelo Dieese, baixou de 19,3%, em 1999, para 15,8% no ano passado. No mês de junho do corrente, chegou a 14,4%. A recuperação do emprego pleno foi puxada pela retomada acentuada da indústria e do setor de serviços, crescimento muito maior do que o da agricultura -o que talvez explique ser mais contundente a diminuição de homicídios na capital se comparada com o interior.
Ainda no plano econômico, as disparidades sociais foram diminuídas, e os salários médios, aumentados, atenuando os contrastes urbanos causadores da criminalidade.
Pondere-se ainda que, nesse período, houve campanhas de redução de armas de fogo, incremento de novos projetos educacionais, medidas urbanísticas melhoraram a auto-estima da população ao restaurar prédios públicos, monumentos e outras edificações da capital. Além disso, houve o envolvimento da comunidade com o governo. Escolas estaduais começaram a abrir nos finais de semana, disponibilizando quadras para atividades esportivas em campeonatos com a comunidade. Novas escolas, com cinemas, piscinas e quadras poliesportivas foram e continuam sendo construídas pela prefeitura (CEUs).
Enfim, medidas preventivas, ao longo de oito anos, fizeram decrescer os índices de mortes violentas. Nesse período, não obstante os esforços do governo do Estado, as prisões continuaram abarrotadas. Há 42 mil pessoas a mais do que as vagas disponíveis nas prisões paulistas.
A implementação de mecanismos de ampla defesa no processo criminal e na execução penal, especialmente com o fortalecimento da Defensoria Pública, pode fazer com que criminosos primários não tenham o convívio deletério com líderes de quadrilha e de facções criminosas. Colocar mais e mais pessoas no cárcere é fazer com que criminosos que poderiam ter penas alternativas (para o caso de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa) sejam massa de manobra do crime organizado.
É bom lembrar que, em São Paulo, a principal organização criminosa -o Primeiro Comando da Capital- não nasceu nas ruas, mas nas prisões.
Mais gente na cadeia é mais crime organizado. E todos os paulistas sabem que os ataques do PCC só seriam coibidos pela polícia se ela fosse eficiente. A lembrança de policiais acuados nas delegacias, ônibus incendiados e agências bancárias atacadas mostram que isso não ocorreu.
Afirmar, portanto, que o bom bandido tem que estar preso não resolve o problema do banditismo. Mais! É esquecer que aquele que não é tratado com dignidade pelo Estado certamente voltará a delinqüir de maneira mais virulenta. Bom bandido é o que se recupera socialmente e não mais precisa ser chamado de bandido.


SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA, 46, mestre e doutor em direito penal pela USP, é professor titular de direito penal da USP e presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Foi presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) de 1997 a 1998.

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