São Paulo, terça-feira, 30 de novembro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Reprise de um filme triste

ABRAM SZAJMAN


A guerra cambial, portanto, está deflagrada: a queda de braço entre EUA e China é batalha que provoca estragos, e não só entre os contendores


A moeda é nossa, o problema é de vocês. A frase, que sintetiza o desafio lançado ao mundo na década de 1970, quando os Estados Unidos romperam o lastro em ouro que até então garantia o dólar, recupera atualidade porque, à semelhança dos remakes de filmes antigos, o governo norte-americano tenta reprisar o roteiro de saída da crise adotado no passado.
As semelhanças entre o momento que vivemos e as crises cambiais e do petróleo daqueles anos reside no mesmo artifício usado, então e agora, pelo país detentor da moeda de uso comum -única aceita por todos os demais- para superar suas dificuldades à custa de outros.
Esta ópera tem dois atos, e a trama adquire o sinistro aspecto de armadilha: na primeira parte, os EUA afrouxam a política fiscal, inundam o mundo com dólares e, assim, desvalorizam sua moeda em relação às demais, elevando artificialmente, com juros muito baixos, a produtividade de sua economia.
No segundo ato, quando se fazem sentir os efeitos inflacionários dessa política expansionista, elevam a taxa de juros interna, como fez em 1979 o então presidente do Federal Reserve (Banco Central dos EUA) Paul Volker, fechando o alçapão para quebrar países endividados, como ocorreu naqueles anos. As comportas para o dólar barato alavancar as exportações dos EUA já estão abertas.
Algumas décadas de distância, um Muro de Berlim a menos e uma China pujante a mais, porém, fazem do panorama atual uma realidade bem diferente daquela que antecedeu o fim da Guerra Fria.
Num mundo economicamente mais amplo e efetivamente globalizado, os países emergentes de hoje resistem a repetir a postura passada do Japão, que consentiu na valorização de sua moeda e pagou o preço de uma forte e prolongada estagnação.
A guerra cambial, portanto, está deflagrada. A queda de braço entre Estados Unidos e China é batalha que provoca estragos, e não só entre os principais contendores.
Ela obriga países como o Brasil a tomar medidas custosas a fim de se defender da volatilidade global.
Muitos tentarão se proteger por meio de taxação, controle de capitais, regimes de regulação e intervenções diretas.
O resultado pode ser um mercado financeiro global fragmentado e uma consequente onda de protecionismo que tende a transformar todos os participantes do jogo em perdedores.
A esperança para alterarmos o final desse filme triste, que no passado desembocou na Grande Depressão e na Segunda Guerra Mundial, concentra-se na mudança de atitudes e de paradigmas.
É necessário romper com o padrão de acumulação a qualquer custo herdado das revoluções mercantil e industrial, que levou à destruição ambiental e à exclusão social de bilhões de pessoas, substituindo-o por um modelo cooperativo, planejado em organismos multilaterais como o G20.
Um único país, ainda que seja o mais poderoso, não pode manter a exclusividade do lucro, enquanto no auge de uma crise gerada em suas próprias entranhas emprega a força para socializar os prejuízos.
É da natureza do escorpião matar o sapo que o transporta para a margem do rio, mas tem de deixar de ser da natureza do capitalismo o egoísmo e a ganância desenfreada, que podem novamente conduzir os países à desagregação e o mundo inteiro à barbárie.

ABRAM SZAJMAN, empresário, é presidente da Fecomercio (Federação do Comércio do Estado de São Paulo), dos conselhos regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio), do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e do Sebrae-SP (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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