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Em defesa da defesa animal
RICARDO TRIPOLI
Quem considera o fim da crueldade com animais uma necessidade ética só pode se ofender com as tentativas de simplificar a discussão
A QUESTÃO da experimentação
científica e vivissecção de animais suscita debates acalorados, nos quais torrentes de argumentos são expostos, muitas vezes confundindo mais do que esclarecendo.
É neste turbilhão de informações
nem sempre completas e interesses
complexos que o Código de Proteção
aos Animais do Estado de São Paulo
(lei nš 11.977/05) tem sido muitas vezes julgado e criticado, como no artigo
"Em defesa da experimentação ética
com animais", dos professores da Faculdade de Medicina Veterinária e
Zootecnia da USP Cássio Xavier de
Mendonça Júnior, Ângelo João Stopiglia e Maria Lúcia Zaidan Dagli, publicado nesta página no dia 18/12.
É importante destacar que, no nível
do discurso, quase não há diferença
entre a premissa formulada tanto pela lei -fruto de ampla e longa discussão de vários anos com a sociedade-
quanto pelos ilustres acadêmicos.
Entretanto, o argumento enfatizado -seria impossível "substituir ou
criar artificialmente a complexidade
de um organismo e suas inúmeras inter-relações fisiológicas"- é inconsistente, uma vez que genérico: das
centenas de métodos alternativos em
uso, a eficiência da quase totalidade já
é comprovada e eles são utilizados em
larga escala em todo o mundo.
Universidades (a exemplo de Harvard) em diversos países e suas respectivas legislações acompanham a
evolução tecnológica e as cobranças
sociais, investindo em técnicas alternativas ou substitutivas ao uso do animal em pesquisa, abolindo práticas
que utilizam animais vivos no ensino,
em testes para cosméticos etc.
O código, fruto desse debate intenso, longo e aberto com a sociedade
-em cuja tramitação a "preocupação
e mobilização da comunidade científica" mencionada no artigo não se fez
notar- estimula a busca de soluções
éticas e técnicas.
A atitude obscurantista e estagnante que os doutos defensores da experimentação animal tentam atribuir a
todos aqueles que têm a sensibilidade
de revoltar-se com as cenas chocantes
de experimentações com animais
-que olhos leigos dificilmente seriam
capazes de distinguir da mais brutal
crueldade- parece estar mais presente naqueles que se acomodam
com a aplicação de técnicas que, em
muitos casos, remontam a séculos.
Outra névoa encobrindo as questões de fundo da defesa da experimentação animal parte da argumentação de que ela pode desenvolver
técnicas e testar produtos que salvam
vidas e reduzem o sofrimento.
Não se nega isso. Tampouco o código pretende impedir tais avanços ou
desmerecer conquistas. O que não é
possível é que, em nome desses casos
-que, na verdade, são uma pequena
parcela dos sacrifícios, vivissecções e
experimentos-, se tente justificar
um número muito maior de casos em
que não há esse objetivo, incluindo aí
a experimentação da indústria cosmética, certamente de caráter não essencial e que é responsável por grande número de experimentos cruéis.
É necessário considerar também
outro aspecto muito destacado pelos
insignes professores: a necessidade
da sucessiva prática cirúrgica em animais para que os alunos percorram a
chamada "curva de aprendizagem"
que lhes dará a maestria necessária.
Existem diversos equipamentos de
simulação que podem substituir tais
práticas até com vantagem sobre a experimentação com animais vivos. Enquanto o animal não pode manifestar
com clareza sua dor e o instrutor não
pode verificar com certeza a correção,
os simuladores garantem controle
preciso das operações, sinalizando
desvios milimétricos.
A experimentação desnecessária
causa sofrimento não só aos animais
mas também a muitos estudantes.
Nesse sentido, o projeto prevê também o direito de objeção de consciência, preceito de status constitucional.
Os defensores do código e todas as
pessoas que consideram o fim da
crueldade com os animais uma necessidade ética -estou certo de ser a
imensa maioria da população, até
porque o código foi aprovado por seus
representantes legítimos e discutido
com toda a sociedade- só podem
considerar-se ofendidos com essa
tentativa de simplificar a discussão,
rotular a defesa animal como obscurantista e justificar a acomodação
dessa parcela da comunidade científica que se apega a algum conceito medieval de que o homem tem todos os
direitos sobre os "seres inferiores".
É fundamental concluir dizendo
que o ensino da compaixão é também
de importância acadêmica. Hoje, a
subjugação dos animais não é admitida. A aspiração ética, que contempla o
respeito à vida e a capacidade de sofrimento dos animais, norteia a conduta
humana.
RICARDO TRIPOLI, 55, advogado, deputado federal eleito
(PSDB-SP), é autor do Código de Proteção aos Animais do
Estado de São Paulo (lei nš 11.977/05). Foi presidente da
Assembléia Legislativa de São Paulo (1995-96) e secretário estadual do Meio Ambiente (1999-2001).
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