São Paulo, quarta-feira, 31 de março de 2004

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ANTONIO DELFIM NETTO

A armadilha do endividamento

A profunda relação entre os resultados fiscais e a política econômica pode ser apreciada na tabela abaixo, onde se registra a evolução, nos últimos quatro anos, de algumas variáveis críticas (medidas em porcentagem do PIB):




A tabela registra os valores médios do ano. Os efeitos da taxa Selic (coluna C) sobre o montante de juros a serem pagos pela dívida líquida do setor público (DLSP) são devastadores. Por exemplo, em dezembro de 2002, no auge da confusão causada pela campanha eleitoral, quando se dizia que "iríamos virar Argentina", a taxa média do mês foi de 29,06% sem os títulos cambiais e 20,94% com eles. A primeira permaneceu nesse nível praticamente durante todo o primeiro trimestre de 2003, pela necessidade de controlar a taxa de inflação, que, na passagem do governo FHC para o governo Lula, andava em 30% a 40% quando dessasonalizada e anualizada.
Se não fosse o esforço fiscal decidido unilateralmente pelo governo por meio do ministro Palocci, é muito provável que a taxa de juros tivesse de continuar extremamente alta por mais tempo e, provavelmente, teríamos gasto com juros em 2003 coisa parecida com o que despendemos em 2002: nada menos do que 14,2% do PIB.
Como vemos, mesmo esse esforço foi insuficiente para reduzir a relação DLSP/PIB, que cresceu de 55,5% em dezembro de 2002 para 58,1% do PIB em dezembro de 2003. Os números expõem a natureza da armadilha produzida pelo excessivo endividamento em que nos encontramos. O aumento dos juros, necessário para controlar a inflação, resultou num decréscimo de 0,2% do PIB, o que anulou todo o esforço do superávit primário para reduzir a relação crítica DLSP/PIB.
Gostemos ou não, o "mercado" atribui um valor mágico para essa relação. Quando ela ultrapassa 56%, ele crê que pode haver dificuldades para honrarmos os compromissos. A libertação da armadilha consiste, exatamente, em produzir um superávit fiscal que assegure a redução monotônica (ainda que pequena) daquela relação. Isso exige não apenas a queda da taxa de juros, mas também a execução de políticas públicas ativas para acelerar o crescimento do PIB como, por exemplo, uma política de apoio ao investimento estrangeiro na expansão industrial e às exportações.
Como deve ter ficado evidente, ao contrário do que pensa o PT jacobino, o superávit primário não depende da vontade do ministro Palocci, mas das condições objetivas que sustentam a credibilidade do país. Sem elas não haverá investimento e, portanto, não haverá crescimento.

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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